Antes de qualquer coisa se faz mister entender o que é prescrição e, também, a decadência.
A finalidade máxima do Direito é a paz social.
Nesse sentido, o cidadão não pode ficar eternamente à mercê da
possibilidade de ser réu, com uma espada de Dâmocles sobre a cabeça.
Assim, a lei determina os prazos nos quais os indivíduos devem exercer o
direito de ação, sob pena de prescrição, que fulmina a pretensão e não o
direito de ação que, em verdade, é autônomo.
A prescrição obsta que o titular da pretensão prescrita faça valer seu direito através de ação judicial.
Mas e a decadência? Esta é a perda do próprio direito e não da
pretensão. O titular não perde o direito de exercer sua pretensão, perde
o próprio direito.
Por exemplo: o prazo para que o credor ingresse com ação executiva de
cheque é de 6 (seis) meses contados da data de apresentação (trinta dias
para cheques da mesma praça e sessenta dias para cheques de outras
praças).
Entretanto, ultrapassado esse prazo, o direito ao recebimento não se
extingue. Tanto é assim que, ocorrendo a prescrição da ação executiva, o
credor pode se valer da ação monitória.
E qual a diferença entre a prescrição e a decadência?
Basicamente e sucintamente, a decadência não se interrompe e tampouco se suspende (Código Civil, art. 207).
Como se identifica um prazo de prescrição e um de decadência?
Os prazos decadenciais normalmente estão insertos na própria previsão do
direito, como, por exemplo, o direito de preferência do condômino
preterido por terceiro:
Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua
parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto.
§ 1º O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá,
depositado o valor correspondente ao preço, haver para si a parte
vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob
pena de decadência.
Dirão alguns que a solução é injusta. Todavia, o Direito não socorre aos que dormem:
dormientibus non sucurrit jus.
Voltando ao prazo do art. 618, do Código Civil, certo é que trata de prazo de garantia.
Isso quer dizer que, recebida a obra, durante 5 (cinco) anos o
construtor responde por vícios de solidez ou segurança (rachaduras,
infiltrações, vazamentos, etc).
O adquirente não precisa ingressar com a ação em 5 (cinco) anos.
Basta provar que o vício ocorreu dentro do prazo de garantia – 5 (cinco)
anos – que poderá ingressar com a ação em face do construtor e demais
participantes do empreendimento:
a) No âmbito do Código Civil de 1916, no prazo prescricional comum do art. 177: 20 anos;
Vejamos um bom exemplo de como têm julgado os Tribunais pátrios:
Superior Tribunal de Justiça
Acórdão n. 43262. Decisão: 14.05.1996. Recurso Especial n. 73022.
Ano: 95. UF: SP. Terceira Turma. DJ: 24.06.1996, p. 22755. Civil e
processual civil – ação de indenização – responsabilidade civil –
construtor – prescrição – inteligência do art. 1.245, do Código Civil.
I – o prazo de cinco (5) anos, de que trata o art. 1.245, do Código
Civil, relativo a responsabilidade do construtor, é de garantia pela
solidez e segurança da obra executada; e não de prescrição ou
decadência. O proprietário que contratou a construção tem o prazo de 20
(vinte) anos para propor ação de ressarcimento, que é lapso de tempo
prescricional. Precedentes do STJ.
II – recurso não conhecido. Relator: Ministro Waldemar Zveiter. Observação: por unanimidade, não conhecer do recurso especial.
b) No novo Código Civil, no prazo prescricional de 3 anos:
Verifica-se que no caso é a prescrição e não a decadência que deve ser alegada.
A afirmação encontra suporte na natureza jurídica da ação para buscar a
indenização pelos vícios no imóvel, de cunho condenatório, em razão da
inexecução contratual do construtor, em razão dos defeitos construtivos
apurados no prazo de garantia de 5 anos.
Nos comentários ao parágrafo único, do artigo 618, do Código Civil, Teresa Ancona Lopez (
Comentários ao Código Civil – Coordenador Antônio Junqueira de Azevedo – vol.7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 299/300) afirma que:
A grande questão que resta comentar diz respeito aos dois prazos
previstos no art. 618 e em seu parágrafo único. Resolveu o Código Civil
de 2002 a celeuma criada pelo art. 1245, ora revogado? A resposta é não,
e mais uma vez se faz necessária a análise dos conceitos de prescrição e
decadência.
O prazo de cinco anos previsto no caput do artigo assumiu claramente o
caráter que lhe era dado pela jurisprudência pátria: é prazo de
garantia. No prazo de garantia legal, aparecendo o defeito deverá o
comitente, em cento e oitenta dias, propor a ação contra o empreiteiro.
Mas qual será a ação a ser proposta, sob pena de decadência? Na esteira
dos conceitos de prescrição e decadência apresentados por Agnelo Amorim,
alguma ação constitutiva ou desconstitutiva.
Em se tratando de reparação dos anos causados pelos defeitos, o prazo é
de natureza prescricional e não decadencial, nos termos do art. 206 do
Código Civil de 2002. Assim, prescreve em três anos a pretensão de
reparação civil (art. 206, § 3º, V). Portanto, a questão da decadência
em cento e oitenta dias não atinge a pretensão do comitente de reparação
pelos danos causados pelos defeitos de solidez e segurança que está
sujeita ao prazo prescricional de três anos, por se tratar de demanda
condenatória, (tal prazo substitui o caput do art.177 do CC de 1916).
Segundo Nelson Nery Júnior o prazo, de cento e oitenta dias previsto no
parágrafo único do artigo em comentário, só poderá ser para o exercício
de uma ação constitutiva (positiva ou negativa), tal como a ação de
rescisão contratual. Afirma o autor categoricamente que, em se tratando
de demanda condenatória, a pretensão estará sujeita a um prazo
prescricional (exemplo : ação de reparação de dano, sujeita à prescrição
de três anos) (citação de Nelson Nery Junior in Novo Código Civil e
Legislação Extravagante anotados. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2003, p. 241)
Agnelo Amorim Filho (RT \300/7 e RT 744/726 – Memória do direito brasileiro) ecsclarece, de forma prática:
Reunindo-se as três regras deduzidas acima, tem-se um critério
dotado de bases científicas, extremamente simples e de fácil aplicação,
que permite, com absoluta segurança, identificar, a priori, as ações
sujeitas a prescrição ou a decadência, e as ações perpétuas
(imprescritíveis). Assim:
1ª – Estão sujeitas a prescrição: todas as ações condenatórias e somente elas (arts. 177 e 178 do Código Civil);
2ª – Estão sujeitas a decadência (indiretamente), isto é, em virtude da
decadência do direito a que correspondem: as ações constitutivas que têm
prazo especial de exercício fixado em lei;
3ª – São perpétuas (imprescritíveis): a) as ações constitutivas que não
têm prazo especial de exercício fixado em lei; e b) todas as ações
declaratórias.
Várias inferências imediatas podem ser extraídas daquelas três
proposições. Assim: a) não há ações condenatórias perpétuas
(imprescritíveis), nem sujeitas a decadência; b) não há ações
constitutivas sujeitas a prescrição; e o c) não há ações declaratórias
sujeitas a prescrição ou a decadência.
Aplicando-se aquele critério, conclui-se que são de decadência os
seguintes prazos especiais fixados no art. 178 do Código Civil: § 1º, §
2º, § 3º, § 4º, ns. I e II, § 5º, ns. I a IV, § 6º, ns. I, III, IV, V,
XI, XII e XIII, § 7º, ns. I, VI e VII, § 8º, § 9º, ns. I, a e b, II, a e
b, III, IV, V e VI, e § 10, n. VIII. Tais prazos correspondem
exatamente àqueles que Câmara Leal – utilizando-se de um critério
prático, mais complexo, e de mais difícil aplicação – também classificou
como prazos de decadência.
Por fim, Humberto Theodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil 38a
ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.p. 291 e 292.), segundo o qual:
Costumava-se afirmar que a prescrição é a perda da ação sem a perda
do direito e que a decadência seria a perda direta e total do próprio
direito. Hoje, todavia, tanto a prescrição quanto a decadência são
vistas como formas de extinção do direito e o que as distingue é apenas a
causa da respectiva perda de eficácia. Na prescrição, dentro dessa
ótica, o que se dá é que, diante da inércia do titular em face da
violação de seu direito, a faculdade de reação em sua defesa – a
pretensão de exigir a prestação que lhe foi sonegada – extingue-se com o
decurso do tempo. Diverso é o que se passa com o direito potestativo –
direito de estabelecer situação jurídica nova -, que, por si só, se
extingue se não exercido em tempo certo, sem que para isso se tenha de
cogitar de violação do direito da parte a uma prestação inadimplida por
devedor. Aí, sim, se pode cogitar do fenômeno da decadência.
Como é pela ação condenatória que se impõe a realização de prestação ao
demandado, é nas causas dessa natureza que pode ocorrer a prescrição.
Prescreve, então, a ação que em sentido material objetiva exigir
prestação devida e não cumprida.
As ações constitutivas, por sua vez, não se destinam a reclamar
prestação inadimplida, mas a constituir situação jurídica nova. Diante
delas, portanto, não há que se cogitar de prescrição. O decurso do tempo
faz extinguir o direito potestativo de criar novo relacionamento
jurídico. Dá-se, então, a decadência do direito não exercido no seu
tempo de eficácia. Do ponto de vista prático, a distinção é importante
porque os prazos prescricionais são passíveis de suspensão e
interrupção, enquanto os decadenciais são fatais, não podendo
sujeitar-se nem a suspensão nem a interrupção.
Por fim, é corrente a afirmativa de que as ações declaratórias são
imprescritíveis. De fato, por mais tempo que dure a incerteza acerca de
uma relação jurídica, seria ilógico pretender que os interessados tenham
perdido o direito à certeza jurídica. Na verdade, o direito de alcançar
a segurança jurídica há de perdurar enquanto durar a controvérsia
acerca da relação discutida, o que nos leva a concluir que, realmente,
“a ação declaratória típica é imprescritível”.
Mas, não se pode concluir que o decurso do tempo seja totalmente inócuo
para as ações declaratórias. Nenhuma ação será manejável sem que a parte
demonstre interesse por um resultado prático em sua esfera jurídica.
Embora a declaratória não se destine a impor prestações nem a criar
situações jurídicas novas, é claro que o litigante somente poderá usá-la
se tiver condições de demonstrar a existência ou inexistência de uma
relação da qual lhe resulte algum proveito efetivo. Nenhuma ação pode
ser exercida apenas para deleite acadêmico. Pode acontecer, destarte,
que mesmo sendo imprescritível a ação declaratória, venha o titular do
direito material a perder o interesse no seu exercício, diante da
prescrição (não da declaratória), mas da pretensão que poderia surgir do
direito material já extinto.
Nesse sentido, já assentou a jurisprudência: Não há confundir a
declaratória como ação de natureza processual, que não regula pretensão
civil alguma, com a ação em que o conteúdo declaratório do julgado é
germe de direito patrimonial. A ação declaratória, como ação de natureza
processual, não prescreve. Mas se contém ela pretensão civil a ser
protegida pelo preceito, a prescrição incide, embora Ferrara a isso
chame de perda de interesse da ação declaratória, porque o direito que
se pretende defender já está extinto pela prescrição.
Em suma: a) as ações condenatórias sujeitam-se à prescrição; b) às
constitutivas à decadência; c) as declaratórias são imprescritíveis, mas
só duram enquanto não se extinguir, por prescrição ou decadência, o
direito que com elas se queira justificar a tutela jurisdicional.
Logo, como a ação decorrente dos defeitos construtivos busca a
condenação do construtor, resta evidente que se aplica a prescrição e
não a decadência.
Assim, caso aplicável seria o art. 206, § 3º, V: Prescreve:… §3o Em 3 (três) anos: … V – a pretensão de reparação civil.
Por fim, resta verificar que o parágrafo único, do art. 618, do Código Civil, estabelece que;
Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras
construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução
responderá durante o prazo irredutível de cinco anos pela solidez e
segurança do trabalho, assim como em razão dos materiais e do solo.
Parágra
fo único. Decairá do direito assegurado neste artigo
o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e
oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.
O prazo decadencial de 180 dias, portanto, somente poderá ser aplicado a
uma ação desconstitutiva, ou seja, de resolução do contrato, jamais nas
ações que visam a indenização (condenação) pelos danos decorrentes do
inadimplemento contratual do construtor quanto à segurança e solidez da
obra, que respeitam o prazo prescricional de três anos do art. 206, §
3º, V, do Código Civil.
Todavia, resta importante observar que esse dispositivo somente se
aplica se não houver relação de consumo, o que se afirma na exata medida
em que, havendo, o prazo é de cinco anos a partir do surgimento do
defeito.
Fonte: Luiz Antonio Scavone Junior (http://www.scavone.adv.br)