quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

O prazo do art. 618 do Código Civil – vícios nos imóveis – é de prescrição ou de garantia, de 180 dias ou de 3 anos?



Antes de qualquer coisa se faz mister entender o que é prescrição e, também, a decadência.

A finalidade máxima do Direito é a paz social.


Nesse sentido, o cidadão não pode ficar eternamente à mercê da possibilidade de ser réu, com uma espada de Dâmocles sobre a cabeça.


Assim, a lei determina os prazos nos quais os indivíduos devem exercer o direito de ação, sob pena de prescrição, que fulmina a pretensão e não o direito de ação que, em verdade, é autônomo.


A prescrição obsta que o titular da pretensão prescrita faça valer seu direito através de ação judicial.


Mas e a decadência? Esta é a perda do próprio direito e não da pretensão. O titular não perde o direito de exercer sua pretensão, perde o próprio direito.


Por exemplo: o prazo para que o credor ingresse com ação executiva de cheque é de 6 (seis) meses contados da data de apresentação (trinta dias para cheques da mesma praça e sessenta dias para cheques de outras praças).


Entretanto, ultrapassado esse prazo, o direito ao recebimento não se extingue. Tanto é assim que, ocorrendo a prescrição da ação executiva, o credor pode se valer da ação monitória.


E qual a diferença entre a prescrição e a decadência?


Basicamente e sucintamente, a decadência não se interrompe e tampouco se suspende (Código Civil, art. 207).


Como se identifica um prazo de prescrição e um de decadência?


Os prazos decadenciais normalmente estão insertos na própria previsão do direito, como, por exemplo, o direito de preferência do condômino preterido por terceiro:


Art. 504. Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto.

§ 1º O condômino, a quem não se der conhecimento da venda, poderá, depositado o valor correspondente ao preço, haver para si a parte vendida a estranhos, se o requerer no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de decadência.


Dirão alguns que a solução é injusta. Todavia, o Direito não socorre aos que dormem:
dormientibus non sucurrit jus.

Voltando ao prazo do art. 618, do Código Civil, certo é que trata de prazo de garantia.


Isso quer dizer que, recebida a obra, durante 5 (cinco) anos o construtor responde por vícios de solidez ou segurança (rachaduras, infiltrações, vazamentos, etc).


O adquirente não precisa ingressar com a ação em 5 (cinco) anos.


Basta provar que o vício ocorreu dentro do prazo de garantia – 5 (cinco) anos – que poderá ingressar com a ação em face do construtor e demais participantes do empreendimento:


a) No âmbito do Código Civil de 1916, no prazo prescricional comum do art. 177: 20 anos;


Vejamos um bom exemplo de como têm julgado os Tribunais pátrios:


Superior Tribunal de Justiça


Acórdão n. 43262. Decisão: 14.05.1996. Recurso Especial n. 73022. Ano: 95. UF: SP. Terceira Turma. DJ: 24.06.1996, p. 22755. Civil e processual civil – ação de indenização – responsabilidade civil – construtor – prescrição – inteligência do art. 1.245, do Código Civil.


I – o prazo de cinco (5) anos, de que trata o art. 1.245, do Código Civil, relativo a responsabilidade do construtor, é de garantia pela solidez e segurança da obra executada; e não de prescrição ou decadência. O proprietário que contratou a construção tem o prazo de 20 (vinte) anos para propor ação de ressarcimento, que é lapso de tempo prescricional. Precedentes do STJ.

II – recurso não conhecido. Relator: Ministro Waldemar Zveiter. Observação: por unanimidade, não conhecer do recurso especial.


b) No novo Código Civil, no prazo prescricional de 3 anos:


Verifica-se que no caso é a prescrição e não a decadência que deve ser alegada.


A afirmação encontra suporte na natureza jurídica da ação para buscar a indenização pelos vícios no imóvel, de cunho condenatório, em razão da inexecução contratual do construtor, em razão dos defeitos construtivos apurados no prazo de garantia de 5 anos.


Nos comentários ao parágrafo único, do artigo 618, do Código Civil, Teresa Ancona Lopez (
Comentários ao Código Civil – Coordenador Antônio Junqueira de Azevedo – vol.7. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 299/300) afirma que:

A grande questão que resta comentar diz respeito aos dois prazos previstos no art. 618 e em seu parágrafo único. Resolveu o Código Civil de 2002 a celeuma criada pelo art. 1245, ora revogado? A resposta é não, e mais uma vez se faz necessária a análise dos conceitos de prescrição e decadência.

O prazo de cinco anos previsto no caput do artigo assumiu claramente o caráter que lhe era dado pela jurisprudência pátria: é prazo de garantia. No prazo de garantia legal, aparecendo o defeito deverá o comitente, em cento e oitenta dias, propor a ação contra o empreiteiro. Mas qual será a ação a ser proposta, sob pena de decadência? Na esteira dos conceitos de prescrição e decadência apresentados por Agnelo Amorim, alguma ação constitutiva ou desconstitutiva.

Em se tratando de reparação dos anos causados pelos defeitos, o prazo é de natureza prescricional e não decadencial, nos termos do art. 206 do Código Civil de 2002. Assim, prescreve em três anos a pretensão de reparação civil (art. 206, § 3º, V). Portanto, a questão da decadência em cento e oitenta dias não atinge a pretensão do comitente de reparação pelos danos causados pelos defeitos de solidez e segurança que está sujeita ao prazo prescricional de três anos, por se tratar de demanda condenatória, (tal prazo substitui o caput do art.177 do CC de 1916).

Segundo Nelson Nery Júnior o prazo, de cento e oitenta dias previsto no parágrafo único do artigo em comentário, só poderá ser para o exercício de uma ação constitutiva (positiva ou negativa), tal como a ação de rescisão contratual. Afirma o autor categoricamente que, em se tratando de demanda condenatória, a pretensão estará sujeita a um prazo prescricional (exemplo : ação de reparação de dano, sujeita à prescrição de três anos) (citação de Nelson Nery Junior in Novo Código Civil e Legislação Extravagante anotados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 241)


Agnelo Amorim Filho (RT \300/7 e RT 744/726 – Memória do direito brasileiro) ecsclarece, de forma prática:


Reunindo-se as três regras deduzidas acima, tem-se um critério dotado de bases científicas, extremamente simples e de fácil aplicação, que permite, com absoluta segurança, identificar, a priori, as ações sujeitas a prescrição ou a decadência, e as ações perpétuas (imprescritíveis). Assim:

1ª – Estão sujeitas a prescrição: todas as ações condenatórias e somente elas (arts. 177 e 178 do Código Civil);

2ª – Estão sujeitas a decadência (indiretamente), isto é, em virtude da decadência do direito a que correspondem: as ações constitutivas que têm prazo especial de exercício fixado em lei;

3ª – São perpétuas (imprescritíveis): a) as ações constitutivas que não têm prazo especial de exercício fixado em lei; e b) todas as ações declaratórias.

Várias inferências imediatas podem ser extraídas daquelas três proposições. Assim: a) não há ações condenatórias perpétuas (imprescritíveis), nem sujeitas a decadência; b) não há ações constitutivas sujeitas a prescrição; e o c) não há ações declaratórias sujeitas a prescrição ou a decadência.

Aplicando-se aquele critério, conclui-se que são de decadência os seguintes prazos especiais fixados no art. 178 do Código Civil: § 1º, § 2º, § 3º, § 4º, ns. I e II, § 5º, ns. I a IV, § 6º, ns. I, III, IV, V, XI, XII e XIII, § 7º, ns. I, VI e VII, § 8º, § 9º, ns. I, a e b, II, a e b, III, IV, V e VI, e § 10, n. VIII. Tais prazos correspondem exatamente àqueles que Câmara Leal – utilizando-se de um critério prático, mais complexo, e de mais difícil aplicação – também classificou como prazos de decadência.


Por fim, Humberto Theodoro Júnior (Curso de Direito Processual Civil 38a ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p.p. 291 e 292.), segundo o qual:


Costumava-se afirmar que a prescrição é a perda da ação sem a perda do direito e que a decadência seria a perda direta e total do próprio direito. Hoje, todavia, tanto a prescrição quanto a decadência são vistas como formas de extinção do direito e o que as distingue é apenas a causa da respectiva perda de eficácia. Na prescrição, dentro dessa ótica, o que se dá é que, diante da inércia do titular em face da violação de seu direito, a faculdade de reação em sua defesa – a pretensão de exigir a prestação que lhe foi sonegada – extingue-se com o decurso do tempo. Diverso é o que se passa com o direito potestativo – direito de estabelecer situação jurídica nova -, que, por si só, se extingue se não exercido em tempo certo, sem que para isso se tenha de cogitar de violação do direito da parte a uma prestação inadimplida por devedor. Aí, sim, se pode cogitar do fenômeno da decadência.

Como é pela ação condenatória que se impõe a realização de prestação ao demandado, é nas causas dessa natureza que pode ocorrer a prescrição. Prescreve, então, a ação que em sentido material objetiva exigir prestação devida e não cumprida.

As ações constitutivas, por sua vez, não se destinam a reclamar prestação inadimplida, mas a constituir situação jurídica nova. Diante delas, portanto, não há que se cogitar de prescrição. O decurso do tempo faz extinguir o direito potestativo de criar novo relacionamento jurídico. Dá-se, então, a decadência do direito não exercido no seu tempo de eficácia. Do ponto de vista prático, a distinção é importante porque os prazos prescricionais são passíveis de suspensão e interrupção, enquanto os decadenciais são fatais, não podendo sujeitar-se nem a suspensão nem a interrupção.

Por fim, é corrente a afirmativa de que as ações declaratórias são imprescritíveis. De fato, por mais tempo que dure a incerteza acerca de uma relação jurídica, seria ilógico pretender que os interessados tenham perdido o direito à certeza jurídica. Na verdade, o direito de alcançar a segurança jurídica há de perdurar enquanto durar a controvérsia acerca da relação discutida, o que nos leva a concluir que, realmente, “a ação declaratória típica é imprescritível”.

Mas, não se pode concluir que o decurso do tempo seja totalmente inócuo para as ações declaratórias. Nenhuma ação será manejável sem que a parte demonstre interesse por um resultado prático em sua esfera jurídica. Embora a declaratória não se destine a impor prestações nem a criar situações jurídicas novas, é claro que o litigante somente poderá usá-la se tiver condições de demonstrar a existência ou inexistência de uma relação da qual lhe resulte algum proveito efetivo. Nenhuma ação pode ser exercida apenas para deleite acadêmico. Pode acontecer, destarte, que mesmo sendo imprescritível a ação declaratória, venha o titular do direito material a perder o interesse no seu exercício, diante da prescrição (não da declaratória), mas da pretensão que poderia surgir do direito material já extinto.

Nesse sentido, já assentou a jurisprudência: Não há confundir a declaratória como ação de natureza processual, que não regula pretensão civil alguma, com a ação em que o conteúdo declaratório do julgado é germe de direito patrimonial. A ação declaratória, como ação de natureza processual, não prescreve. Mas se contém ela pretensão civil a ser protegida pelo preceito, a prescrição incide, embora Ferrara a isso chame de perda de interesse da ação declaratória, porque o direito que se pretende defender já está extinto pela prescrição.

Em suma: a) as ações condenatórias sujeitam-se à prescrição; b) às constitutivas à decadência; c) as declaratórias são imprescritíveis, mas só duram enquanto não se extinguir, por prescrição ou decadência, o direito que com elas se queira justificar a tutela jurisdicional.


Logo, como a ação decorrente dos defeitos construtivos busca a condenação do construtor, resta evidente que se aplica a prescrição e não a decadência.


Assim, caso aplicável seria o art. 206, § 3º, V: Prescreve:… §3o Em 3 (três) anos: … V – a pretensão de reparação civil.


Por fim, resta verificar que o parágrafo único, do art. 618, do Código Civil, estabelece que;


Art. 618. Nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consideráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá durante o prazo irredutível de cinco anos pela solidez e segurança do trabalho, assim como em razão dos materiais e do solo.


Parágra
fo único. Decairá do direito assegurado neste artigo o dono da obra que não propuser a ação contra o empreiteiro, nos cento e oitenta dias seguintes ao aparecimento do vício ou defeito.

O prazo decadencial de 180 dias, portanto, somente poderá ser aplicado a uma ação desconstitutiva, ou seja, de resolução do contrato, jamais nas ações que visam a indenização (condenação) pelos danos decorrentes do inadimplemento contratual do construtor quanto à segurança e solidez da obra, que respeitam o prazo prescricional de três anos do art. 206, § 3º, V, do Código Civil.


Todavia, resta importante observar que esse dispositivo somente se aplica se não houver relação de consumo, o que se afirma na exata medida em que, havendo, o prazo é de cinco anos a partir do surgimento do defeito.

Fonte: Luiz Antonio Scavone Junior (http://www.scavone.adv.br)

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