O empregador pode fazer o pagamento das comissões pelo valor líquido das vendas realizadas por seus vendedores, descontando, por exemplo, o IPI e o ICMS incidentes nas operações? O Tribunal Superior do Trabalho decidiu que sim, mas desde que essa prática esteja prevista no contrato de trabalho. O TST não acolheu a tese sustentada por um trabalhador no sentido de que o empregador não pode transferir os encargos tributários das vendas aos empregados. De acordo com os ministros que julgaram o caso, não há na legislação trabalhista nada que impeça a incidência dos percentuais para cálculo das comissões apenas sobre o valor líquido das vendas efetuadas pelo trabalhador. Confira abaixo a decisão:
NÚMERO ÚNICO: RR - 261400-18.2002.5.02.0022
PUBLICAÇÃO: DEJT - 11/06/2010
A C Ó R D Ã O
1ª TURMA
RECURSO DE REVISTA - COMISSÕES - CRITÉRIO DE APURAÇÃO - VALOR LÍQUIDO DAS VENDAS - DEDUÇÃ O IPI E ICMS. Cláusula estipulada no contrato de trabalho no sentido de apuração das comissões pelo valor líquido das vendas, descontados os montantes relativos ao IPI e ICMS, não se traduz em desconto ilícito no salário do obreiro, mas estipula critério de cálculo das comissões, previamente acordado pelas partes, não dissentindo das disposições de proteção do salário e emprego, razão por que deve ser observada. Recurso de revista conhecido e desprovido.
O 2º Tribunal Regional do Trabalho, mediante o acórdão a fls. 244-248, deu parcial provimento ao recurso ordinário interposto pela reclamada, para deferir a exclusão da condenação a devolução das comissões.
O reclamante interpôs embargos de declaração a fls. 250-253, que foram rejeitados mediante a decisão a fls. 260-261. Inconformado, o reclamante interpõe o presente recurso de revista, a fls. 274-295, argumentando que a apuração das comissões sobre o valor líquido das vendas, descontados os montantes relativos ao IPI e ICMS, redundou em afronta aos arts. 7º , VI e X, da Carta Magna, 462 da CLT e 121 do CTN, porquanto tal critério não fora explicitamente encerrado no contrato de trabalho do reclamante. Traz arestos para comprovação de divergência jurisprudencial.
O recurso foi admitido pela decisão proferida a fls. 306-310. Contrarrazões apresentadas a fls. 314-322. Os autos não foram remetidos ao Ministério Público do Trabalho, por não estar caracterizada hipótese prevista no art. 83 do Regimento Interno desta Corte.
É o relatório.
V O T O
1 - CONHECIMENTO
Presentes os pressupostos extrínsecos de admissibilidade do recurso de revista concernentes à tempestividade (fls. 262 e 274) e à representação processual (fls. 15), passo à análise daqueles que lhe são intrínsecos.
1.1 COMISSÕES - CRITÉRIO DE APURAÇÃO - VALOR LÍQUIDO DAS VENDAS - DEDUÇÃO IPI E ICMS
Quanto ao tema, consignou a Corte Regional, a fls. 246-247, verbis:
O Juízo a quo julgou procedente o pedido, sob o fundamento de que a Reclamada transferira ilicitamente a responsabilidade dos tributos ao empregado. Equivocado, porém, o julgado de origem. Restou incontroverso nos autos que no ato da admissão do autor ficou avençado que sua comissão seria paga considerando o valor líquido recebido pela Reclamada, ou seja, com a dedução do IPI e do ICMS. Logo, não se trata de desconto salarial, visto que este implica a subtração de uma parcela do salário ajustado. No caso, o salário convencionado adotou como base de cálculo o valor líquido recebido pela Recorrente, não havendo que se falar em transferência de encargos tributários.
Insurge-se o reclamante, no recurso de revista, pugnando pela reforma do acórdão regional, sob o argumento de que a apuração das comissões sobre o valor líquido das vendas, descontados os montantes relativos ao IPI e ao ICMS redundou em afronta aos arts. 7º, VI e X, da Carta Magna, 462 da CLT e 121 do CTN, porquanto tal critério não fora explicitamente encerrado no contrato de trabalho do reclamante. Traz arestos para o confronto de teses.
O julgado paradigma transcrito no recurso de revista a fls. 290-291 demonstra a existência de conflito, ao esposar tese no sentido de que a cláusula que estipula a apuração das comissões pelo valor das vendas descontados os montantes alusivos ao IPI e ICMS traduz desconto ilícito no salário, pois transfere a o empregado responsabilidade tributária a cargo do empregador, violando, pois, os arts. 462 da CLT e 121 do CTN.
Conheço do recurso de revista, por divergência jurisprudencial.
2 - MÉ RITO
2.1 - COMISSÕES - CRITÉRIO DE APURAÇÃO - VALOR LÍQUIDO DAS VENDAS - DEDUÇÃO IPI E ICMS
Nos termos do art. 444 da CLT, as cláusulas do contrato de trabalho podem ser objeto de livre estipulação das partes envolvidas, desde que não contrárias à s disposições de proteção ao trabalho, normas coletivas e decisões das autoridades competentes.
Assim, cláusula estipulada no contrato de trabalho no sentido de apuração das comissões pelo valor líquido das vendas, descontados os montantes relativos ao IPI e ao ICMS, não se traduz em desconto ilícito no salário do obreiro, mas estipula critério de cálculo das comissões, previamente acordado pelas partes, não dissentindo das disposições de proteção do salário e emprego, razão por que deve ser observada.
Neste sentido se posiciona esta Corte Superior, conforme se constata dos trechos ementados a seguir:
RECURSO DE REVISTA - CÁLCULO DAS COMISSÕES - DESCONTOS - VALOR BRUTO OU LÍQUIDO. Havendo previsão em cláusula contratual, no sentido de que o vendedor só aufere comissões sobre o valor líquido das vendas, excluindo, assim, o direito a comissões sobre o valor bruto, deve-se respeitar o que foi livremente pactuado, não se cogitando de atrito com as disposições de proteção ao emprego e ao salário. Recurso conhecido e provido. (RR-650187/2000.9, 2ª Turma, Rel. Min. Horárcio Senna Pires, DJ de 18/2/2005)
DIFERENÇAS DE COMISSÕES BASE DE CÁLCULO VALOR LÍQUIDO DA VENDA PACTUAÇÃO - CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO VALIDADE. Não há na legislação trabalhista disposição que impeça a incidência dos percentuais para cálculo das comissões apenas sobre o valor líquido das vendas efetuadas pelo trabalhador. Assim, é válida a cláusula de contrato individual de trabalho que estipula como base de cálculo das comissões o valor líquido da venda, excluí dos impostos e taxas. Se a tributação vai para o Estado, o fruto da produção a ser dividido entre o capital e o trabalho é apenas o montante líquido do preço da mercadoria vendida, devendo incidir sobre ele o percentual da comissão. Sendo assim, o Reclamante não tem direito à s diferenças das comissões sobre as vendas. (...) (RR-380/2002-007-17-00, 4ª Turma, Rel. Min. Ives Gandra Martins Filho, DJ de 15/10/2004)
Salvo disposição expressa em contrário, as comissões devidas ao empregado vendedor são calculadas com base no preço de venda das mercadorias, sem a adição de tributos porventura incidentes sobre a operação. (RR-10.770/90.2, Rel. Min. Manoel de Farias, in Comentário à CLT, Valentin Carrion, Saraiva, 2004, p. 324)
Ante o exposto, nego provimento ao recurso de revista.
Brasília, 02 de junho de 2010.
MINISTRO VIEIRA DE MELLO FILHO
Relator