O presente trabalho não tem a pretensão de esgotar o tema em epígrafe que, se diga de passagem, é ainda muito controvertido. Objetiva tão somente trazer à baila reflexões acerca da possibilidade ou não da imposição de penalidades restritivas de direitos aos condôminos inadimplentes.
Abster-nos-emos, aqui, da análise das penalidades pecuniárias ou do impedimento do direito de votar nas assembleias, bem como da possibilidade de inclusão do nome do inadimplente nos serviços de proteção ao crédito, dentre outras sanções que podem ser impostas ao condômino faltoso. Dessa forma, cingiremos nossos esforços na elucidação do tema proposto no título deste trabalho.
É fato que, recentemente, temos nos deparado com um número crescente de julgados, reconhecendo ao condomínio o direito de aplicar aos condôminos inadimplentes penas restritivas de direito, tais como, limitação do direito de uso dos bens comuns e/ou interrupção do fornecimento de serviços básicos. Tais decisões não são inéditas, mas podem representar uma tendência, razão pela qual se torna relevante o tema.
Argumentam seus defensores que não há na lei qualquer impedimento ou vedação restringindo o poder dos condôminos de regularem, na Convenção de condomínio, novas formas de penalidade além das multas já constantes do Código Civil (desde, é óbvio, que compatíveis com o ordenamento pátrio). Pelo contrário, aduzem que o próprio Código Civil expressamente autoriza, no inciso IV, do artigo 1.334, que as Convenções determinem “as sanções a que estão sujeitos os condôminos ou possuidores”.
Assim, não havendo vedação legal, a vontade dos condôminos, consubstanciada na Convenção, é licita e deve prevalecer, uma vez que lhes é conferido o poder de autoregulamentar suas condutas. Nesse sentido, o voto do Desembargador Donegá Morandini, citando os ensinamentos de Rubens Carmo Elias Filho:
"Ou seja, nada se verifica de irregular na restrição de uso das áreas comuns e na supressão de fornecimento de serviços essenciais, quando possível. Obviamente, tais medidas devem ser precedidas de aprovação em assembléia geral especialmente convocada para tal finalidade, observado o quórum específico para a regulamentação das áreas e serviços comuns, sempre com o objetivo de preservar o condomínio e seu síndico de responsabilidade civil e criminal, por eventuais excessos (ELIAS FILHO, 2005, p. 195)"
Outro ponto trazido por essa corrente diz respeito à própria “sobrevivência do condomínio”. Dentre os deveres dos condôminos, o de maior relevância diz respeito ao rateio das despesas, uma vez que é a “contribuição” de cada condômino que garante a manutenção e o regular funcionamento do condomínio.
Assim sendo, consideram ser inaceitável que o condomínio e a própria coletividade dos condôminos tenham que arcar com os ônus da inadimplência do faltoso. Aceitar passivamente tal situação seria privilegiar a inadimplência frente ao empobrecimento injustificado dos demais condôminos.
Nesse diapasão, como o inadimplemento de um ou alguns dos condôminos pode trazer consequencias nefastas ao condomínio, pondo em risco até mesmo sua “sobrevivência”, entendem ser lícito em prol da coletividade a adoção de posturas mais rigorosas em face de condôminos impontuais. A imposição de penas restritivas de direito aos condôminos inadimplentes, porém, está longe de ser um consenso. Os principais argumentos que fundamentam sua impossibilidade poderiam ser resumidos nos seguintes itens:
a) Violação ao princípio da dignidade humana
Argumentam os defensores dessa corrente que os serviços básicos, como gás e água, são vitais à sobrevivência do homem, sendo que sua suspensão como forma de coagir o condômino a adimplir o seu débito, mostrar-se-ia abusiva na medida em que impediria o condômino e seus familiares de realizarem suas atividades básicas diárias.
b) Meios judiciais próprios de cobrança e dupla penalidade
Outro argumento trazido é o de que o condomínio, frente à inadimplência do condômino, goza de meios judiciais próprios para cobrança da dívida, contando, inclusive, com o rito sumário para promover tais cobranças, nos termos do artigo 275,II, b, do Código de Processo Civil.
Nesse sentido, são os dizeres de Jorge Tarcha e Luiz Antonio Scavone Junior:
"O fato de o condômino estar inadimplente não autoriza, manus militaris, o rompimento dos serviços, e, tampouco, o impedimento à utilização de salões de festa, piscinas, churrasqueiras, quadras e demais equipamentos comuns, até porque o condomínio possui meios processuais e legais de fazer valer seu direito subjetivo de receber as quotas em atraso. (TARCHA; SCAVONE JUNIOR, 1999, p. 126)"
Quanto à dupla penalidade, trazemos os ensinamentos de José Roberto Neves Amorim:
"nos atuais tempos difíceis, a violação mais frequente é a do não pagamento pontual das obrigações mensais, permitindo-se a cobrança, do inadimplente, além do valor original, o acréscimo dos juros moratórios fixados na convenção, em parâmetro razoável, talvez até 20% ou de 1% se nada estiver estipulado, mais a multa de 2%, não se admitindo a imposição de outras restrições, como a não utilização da piscina, salão de festas dentre outras, pois já há multa, configurando-se uma dupla punição (CASCONI; AMORIS, 2006, p 189).
c) Ausência de embasamento legal
O parágrafo 1º do artigo 1.335 do Código Civil dispõe que “o condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito”. O inciso VII do artigo 1348, também do Código Civil, assim preceitua: “Compete ao síndico [...] cobrar dos condôminos as suas contribuições, bem como impor e cobrar as multas devidas; [...]”.
O Código Civil não disciplinou, dentre as penalidades possíveis, a imposição de medidas restritivas de direitos (salvo a restrição ao direito de voto nas assembléias) que limitem e/ou impeçam o uso pleno da propriedade que, aliás, é um dos direitos do condômino expresso no inciso I do artigo 1335 da legislação civil.
Os que defendem esse posicionamento argumentam, ainda, que o artigo 1.335 do Código Civil traz em seu bojo alguns dos direitos dos condôminos, não os esgotando. Os direitos ali descritos, todavia, representam prerrogativas de ordem pública e de incidência imediata, não sendo lícito à convenção e/ou regimento interno do condomínio suprimi-los.
Nesse sentido, transcrevemos um pequeno trecho do voto do Desembargador Francisco Loureiro:
"[...] fere os direitos fundamentais dos condôminos a aplicação de sanções diversas, ainda que previstas na convenção, especialmente aquelas que vedam a utilização do imóvel e de áreas e equipamentos comuns."
Concluem os adeptos dessa corrente que não há, portanto, embasamento legal para a adoção de tais medidas, tendo em vista que as penalidades previstas na lei limitam-se às penas pecuniárias (artigos 1.336, parágrafo 1°e 1.337 caput do novo Código Civil) e da restrição prevista no artigo 1.335, III, do mesmo diploma, cuja interpretação deve ser realizada de forma restritiva e não extensiva.
d) Vedação legal à autotutela de interesses
O condomínio ao impor medidas restritivas ao direito do condômino estaria exercendo a auto-tutela de seu interesse, o que é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio, salvo exceções expressas na lei.
No sentido do texto, o entendimento do Desembargador Lucas Pereira, citando o voto no Agravo de Instrumento 2.0000.00.383329-2/000, da lavra do Desembargador Alberto Vilas Boas, ambos do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
"Não se permite no ordenamento jurídico, o exercício arbitrário das próprias razões como forma de compelir alguém a cumprir uma obrigação, sendo certo que aquele que se sentir lesado em algum direito deve recorrer ao órgão estatal responsável pela jurisdição, para que obtenham a satisfação de sua pretensão. Em outras palavras, não pode o titular de um determinado direito ou interesse atuar pessoalmente com o intuito de sancionar o comportamento daquele que, supostamente, causa-lhe dano, sob pena de investir na função jurisdicional afeta ao Estado."
Por fim, vale lembrar que o artigo 345, do Código Penal, regula o “exercício arbitrário das próprias razões”, com pena de “detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência”
Por tudo que foi dito, outra conclusão não há senão a de que os síndicos devem agir com cautela e bom senso, uma vez que a adoção de medidas restritivas de direito poderão gerar, além das conseqüências descritas no artigo 345, supra, ações de dano moral, riscos que devem ser evitados.
Deve ser analisado se a adoção de tais medidas, que a primeira vista pode constituir em um instrumento eficaz contra a inadimplência, compensa o risco de eventuais ações judiciais e indenizações, principalmente porque a matéria é ainda bastante controvertida.
Referências:
CASCONI, Francisco Antonio; AMORIS, José Roberto Neves. Condomínio edilício- aspectos relevantes. 2. ed. São Paulo: Editora Método, 2006.
ELIAS FILHO, Rubens Carmo. As despesas do condomínio edilício.Rio de Janeiro: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
MINAS GERAIS. Tribunal de justiça. Agravo de instrumento 1.0188.08.072832-5/001(1). Ação cautelar inominada - fornecimento de água - pedido liminar - requisitos – presença – deferimento. Agravante: Condominio Vila Del Rey. Agravado: Antonio Ferreira Alves Filho. Relator. Dês. Lucas Pereira. Clique aqui para acessar.
SÃO PAULO. Tribunal de justiça. Apelação Civil 516.142-4/0-00. Ação anulatória de assembléia condominial. Apelante: Roberto Bisconcini. Apelado: Condomínio Edifício Morumbi Heights. Relator: Dês. Donegá Morandini. Clique aqui para acessar.
SÃO PAULO. Tribunal de justiça. Apelação Cível 445.634.4/3-00. Responsabilidade civil, Despesas de condomínio em atraso - Não autorização para ocupação do apartamento - Incorrência de danos materiais — Danos morais. Apelante: Claudia Eugenia Feris Sawamura. Apelado: Condomínio Residencial Ursini. Relator: Dês. Alberto Vilas Boas. Clique aqui para acessar.
TARCHA, Jorge; SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antonio. Despesas ordinárias e extraordinárias de condomínio. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.
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