Esse texto é voltado para os operadores de direito. Aos leigos seguem informações úteis mais abaixo..... :)
Em que pese a afirmação de parte da doutrina que defende que os Embargos de Declaração prestam-se, tão somente, à declaração ou interpretação da sentença, cujo dispositivo não pode, por via deles, ser alterado, rejeitado, a possibilidade de serem recebidos em seu efeito infringente ou modificativo, vem consolidando-se junto aos Tribuinais Superiores como uma verdadeira possibilidade e necessidade.
Segundo João Monteiro, só é lícito ao juiz "declarar a sentença já proferida, não podendo, portanto, modificar em ponto algum a mesma sentença. A decisão sobre tais embargos está para a sentença declarada na mesma relação em que, para a lei interpretada, está a lei interpretativa: assim como esta faz parte integrante daquela, de modo que uma e outra são a mesma lei, assim também a sentença declarativa e a declarada se integram em uma mesma sentença".
Todavia, tal raciocínio aplica-se apenas à operação de afastamento do vício de obscuridade, na qual a tarefa do julgador, quando provocado, restringe-se em esclarecer os conceitos obscuros e ambíguos, sanar os erros de concordância, de modo a facilitar a compreensão do decisum prolatado.
De outro lado, verificando a presença dos vícios de contradição e omissão, deverá o magistrado, muita das vezes, reabrir o julgamento. Na tentativa de harmonizar eventuais proposições contrastantes, poderá optar pela exclusão daquela que lhe parecer inadequada. Poderá, outrossim, afastar duas ou mais proposições contraditórias, agregando à decisão uma nova proposição. Tanto em um como noutro caso, há possibilidade de ocorrer uma inovação que importará, sem sombra de dúvidas, modificação da decisão.
Denunciada e afastada a omissão, conforme preleciona Moniz de Aragão, "necessariamente o julgamento será reaberto, a fim de o juiz preencher o claro nele existente. Em muitos casos a omissão é suprida facilmente, com a inserção do pronunciamento que faltava. Em outros, porém, a correção da falha repercute sobre o julgamento de outra questão e o juiz terá de modificar algum ponto da sentença, afetado direta ou reflexamente pelo acréscimo da manifestação que nela faltava".
Verifica-se, portanto, ser inegável que os Embargos de Declaração, em alguns casos, terão, necessariamente, a força e o efeito de modificar o julgamento, sob pena de ser impossível declará-lo.
Outro não poderia ser o entendimento, haja vista que o próprio Estatuto Processual ao prever, em seu artigo 463, inciso II, a possibilidade do juiz "alterar" o julgado por intermédio dos Embargos de Declaração, sufraga a tese ora sustentada, eis que o vocábulo "alterar" nada mais quer dizer do que mudar, modificar, transformar.
Observa-se, em nossa jurisprudência, que não mais subsiste qualquer discussão acerca do tema.
Em julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário 59.040, ficou assentado que "embora os Embargos Declaratórios não se destinem normalmente a modificar o julgado, constituem um recurso que visa a corrigir obscuridade, omissão ou contradição anterior. A correção há de ser feita para tornar claro o que estava obscuro, para preencher uma lacuna do julgado, ou para tornar coerente o que ficou contraditório. No caso, a decisão só ficará coerente se houver a alteração do dispositivo, a fim de que este se conforme com a fundamentação. Temos admitido que os Embargos Declaratórios, embora, em princípio, não tenham efeito modificativo, podem, contudo, em caso de erro material ou em circunstâncias excepcionais, ser acolhidos para alterar o resultado anteriormente proclamado".
O Superior Tribunal de Justiça, na mesma linha de julgamento, já decidiu:
“EDcl no RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 22.597 - MG (2006/0194632-1) RELATORA : MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ-MG) EMBARGANTE : ANDREÍZA CAMPOS CEREDA ADVOGADO : DILMAR GARCIA MACEDO E OUTRO EMBARGADO : ESTADO DE MINAS GERAIS ADVOGADO : MARCO ANTÔNIO GONÇALVES TORRES E OUTRO(S)
EMENTA RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PETIÇÃO ORIGINAL. RETENÇÃO PELO TRIBUNAL A QUO. ERRO DE PROCESSAMENTO DA SECRETARIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO MODIFICATIVO. CABIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS COM EFEITO MODIFICATIVO PARA ANULAR A PENA DE NÃO CONHECIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO E DETERMINAR SUA INCLUSÃO EM PAUTA PARA JULGAMENTO. 1. As partes do processo não podem ser prejudicadas por erro de processamento de Secretaria do Tribunal. No presente caso, a petição inicial original do recurso ordinário em Mandado de Segurança permaneceu retida na Secretaria do Tribunal a quo, restando caracterizada a falha no serviço forense. Após a subida dos autos a este e.STJ é que a Secretaria remeteu a peça original ao relator originário do processo, razão pela qual concedo o efeito modificativo aos embargos de declaração, para anular a pena de não conhecimento aplicada pela 6ª Turma ao recurso em razão da circunstância de que no momento do julgamento somente a petição via fac-simile estava juntada aos autos. 2. Embargos de Declaração acolhidos com efeito modificativo, para anular a pena de não conhecimento ao recurso ordinário e incluí-lo em pauta para julgamento. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os ministros da 6ªTURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, acolher os embargos de declaração para o fim de examinar o recurso em mandado de segurança, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido e Maria Thereza de Assis Moura votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Nilson Naves e Paulo Gallotti. Presidiu o julgamento a Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura.Brasília, 17 de abril de 2008.(Data do Julgamento)MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ⁄MG) RelatoraEDcl no RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA Nº 22.597 - MG (2006⁄0194632-1) RELATORA : MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ⁄MG) EMBARGANTE : ANDREÍZA CAMPOS CEREDA ADVOGADO : DILMAR GARCIA MACEDO E OUTRO EMBARGADO : ESTADO DE MINAS GERAIS ADVOGADO : MARCO ANTÔNIO GONÇALVES TORRES E OUTRO(S)”
Em contraposição a esta postura, contundentes são as palavras do mestre Seabra Fagundes, para quem deve o magistrado, quando possível, afastar-se do formalismo exacerbado a que estão acometidos certos diplomas legais, ampliando sua compreensão, expediente esse essencial à evolução lenta e conveniente do Direito.
Humberto Theodoro Júnior, in Curso de Direito Processual Civil, Forense, 14ª edição, 1995, página 587, professa: "Havendo, porém, casos em que o suprimento de lacuna ou a eliminação de contradição leve à anulação do julgamento anterior para nova decisão da causa (caráter infringente inevitável...) não deverá o órgão julgador enfrentar a questão nova para proferir, de plano, o re-julgamento. Para manter-se o princípio do contraditório, o caso será anular-se apenas a decisão embargada e ordenar que o novo julgamento seja retomado com a plena participação da outra parte, segundo as regras aplicáveis ao recurso principal".
O eminente des. Francisco Oliveira Filho do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, no voto condutor dos EDApc 33.655, São José, assentou: "Admite-se em situações restritas carga modificativa nos embargos declaratórios, notadamente quando a realidade e a verdade substancialmente devam ser resgatadas mediante a alteração do julgado combatido".
Ademais, imprimindo força modificativa ou infringente aos declaratórios, estarão os julgadores demonstrando não ter acanhamento em reconhecer eventuais equívocos presentes em seus decisórios, aplicando-se, para o caso, os ensinamentos do eminente ministro Washington Bolívar, no sentido de que "não deve o juiz ter pejo de confessar que errou, em qualquer circunstância e, muito especialmente, quando ainda há tempo de corrigir-se e corrigir. Pois aquele que reconhece o seu erro demonstra que é mais sábio hoje, quando o corrige, do que ontem, quando o praticou".
Ressalto, por fim, que o processo civil é instrumento de realização dos direitos substanciais, não podendo os nobres e lestos magistrados negarem a realidade acima descrita, em prejuízo da verdade e da justiça.
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