Uma disputa que vem ocupando Tribunais de todo o país há mais de uma década foi dirimida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A Quarta Turma decidiu que a Brasil Telecom, apesar de ser parte legítima para responder à ação civil pública, não terá de ressarcir consumidores que alegam prejuízos por adquirirem linhas da Telecomunicações de Mato Grosso S/A (Telemat) com a promessa de emissão futura de ações daquela empresa ou da Telebrás. A posição segue entendimento do relator, ministro Luis Felipe Salomão, para quem o prejuízo experimentado pelos compradores, que receberam ações da Tele local em vez de ações da Telebrás, decorreu de flutuações naturais do mercado de capitais.
Conforme destacou o ministro Salomão, o recurso julgado traz situação fática semelhante a dezenas de outros. A análise de como vem se dando o deslinde dessas controvérsias evidencia a “dispersão jurisprudencial sobre o tema” no Brasil. Enquanto no Rio Grande do Sul e do Mato Grosso vêm se decidindo pela ilegitimidade passiva da Brasil Telecom, no Mato Grosso do Sul, a Justiça tem reconhecido não só a possibilidade de a empresa responder à ação, como a responsabilização dela pelos supostos prejuízos. O ministro Salomão classificou como “absolutamente indesejável” o dissídio jurisprudencial, porque nele está subjacente o “tratamento desigual a jurisdicionados com o mesmo direto alegado, na contramão dos mais caros alicerces do Estado Democrático de Direito”.
Em voto minucioso, o relator resgatou, inicialmente, a farta jurisprudência do STJ no sentido de reconhecer a legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos, sejam eles de natureza consumerista (como no caso) ou não.
Cisão parcial
Quanto à Brasil Telecom, antes de concluir pela legitimidade da empresa para responder por obrigações decorrentes de contratos celebrados pela Telemat, o ministro traçou um histórico do processo de privatização e reestruturação do sistema de telecomunicações no Brasil. No caso, o leilão da Telebrás tratou-se de cisão parcial, afirmou o ministro, já que a empresa que permaneceu em atividade atua ainda hoje no setor. Sendo assim, a Brasil Telecom é sucessora da Telemat, concessionária controlada pela Holding Tele Centro Sul – uma das 12 empresas resultantes da cisão parcial da Telebrás.
Analisando a legislação, o ministro destacou que o artigo 233 da Lei das S/A (Lei n. 6.404/1976) resguarda o direito dos credores diante da cisão da companhia. O artigo permite que as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida sejam responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem qualquer solidariedade, desde que não haja oposição por qualquer credor no em 90 dias da data da publicação do ato de cisão. Como na cisão (seja parcial ou total) há alteração da garantia de satisfação dos credores da sociedade, vale a regra da solidariedade na responsabilização das sociedades cindida e das que absorvem seu patrimônio.
No entanto, para o caso em análise, o ministro Salomão esclareceu que os termos e restrições à solidariedade entre a cindida e as incorporadoras constantes no protocolo de cisão (ou, como no caso, no edital de desestatização) pouco importam porque são inaplicáveis aos credores com título futuros da cindida, relativamente a negócios pretéritos.
“Se o crédito sequer estava constituído à época da cisão, muito embora remotamente originado de negócio jurídico celebrado anteriormente, não há falar em credor legitimado a opor-se contra as estipulações do protocolo”, explicou o ministro Salomão. Sendo assim, não se aplica o artigo 233 da Lei das S/A aos credores com títulos estabelecidos depois da cisão parcial da empresa, mas relativos a negócios jurídicos anteriores à operação.
Prejuízos imprevisíveis
No que diz respeito ao pedido da ação civil pública, o ministro Salomão constatou que o alegado prejuízo experimentado pelos compradores de linhas telefônicas, além de não ter sido comprovado nos autos, decorreu de flutuações naturais do mercado de capitais. Para o ministro, não há qualquer garantia que se fosse dada ao comprador a faculdade de escolher qual ação seria emitida, o consumidor também não optaria pelas mesmas ações.
O Ministério Público ingressou com a ação civil um ano depois que os papéis da Telemat foram emitidos ao compradores das linha telefônicas. Naquele período, o MP constatou desvalarização de 50% se comparados às ações da Telebrás. Porém, o ministro Salomão observa que poderia não ser assim. “Nos últimos 12 meses, as ações preferenciais da Telebrás amargaram quedo de 54,74%”, comparou, citando dados do site da Bovespa.
O relator constatou, por fim, que estão ausentes “a desvantagem exacerbada e a potestatividade nulificante da cláusula em exame”, descabendo considera-la nula e devendo-se rejeitar o pedido da ação civil pública.
Entenda o caso
O Ministério Público de Mato Grosso ajuizou ação civil pública contra a Telemat. Na ação sustentou que, após o procedimento investigatório na Promotoria da Cidadania e Defesa Comunitária, impulsionado pelo apelo de um cidadão, constatou-se que, no ano de 1996, a empresa negociou 7.500 contratos de linhas telefônicas. Segundo o MP, esses assinantes, ao adquirirem as linhas telefônicas, mediante pagamento de R$ 1.117,63, investiram na concessionária do serviço público de telecomunicações, sob a promessa de emissão futura de ações da empresa Telebrás.
Porém, quando foram resgatar as ações, surpreenderam com a notícia de que as mesmas não eram da Telebrás, mas sim, da Telemat (empresa prestadora), cujo valor é bem inferior ao capital investido. Afirmou que, se fossem entregues ações da Telebrás, o comprador arrecadaria (à época) no mercado cerca de R$ 1.794, ao passo que os papéis da Telemat corresponderiam a apenas R$ 628.
O MP alegou que o contrato celebrado entre os consumidores adquirentes e a empresa, contém, em sua cláusula IV, a possibilidade de entrega de ações da Telebrás ou somente da prestadora Telemat, com flagrante escolha unilateral da fornecedora. Assim, a tal cláusula seria abusiva e traria grande prejuízo aos promitentes-adquirentes. Por essa razão, pediu a nulidade daquela cláusula dos contratos celebrados em 1996 e a condenação da Telemat a restituir a cada um dos consumidores a diferença entre o valor das ações disponibilizadas e o montante investido na aquisição das linhas telefônicas, com os acréscimos legais devidos.
Decisão reformada
A 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá (MT) julgou procedente o pedido. A sentença foi mantida em grau de apelação ao entendimento de que seria nula, por abusiva, a cláusula que deixa ao arbítrio apenas de uma das partes a decisão acerca da espécie de ação a serem adquiridas.
Inconformada, a Brasil Telecom recorreu ao STJ sustentando ilegitimidade ativa do Ministério Público para ajuizar a ação. Alegou, ainda, sua ilegitimidade passiva, já que as obrigações pleiteadas foram assumidas antes da data da cisão e são de exclusiva responsabilidade da Telebrás, conforme edital de privatização. Por fim, argumentou que a obrigação seria alternativa, cabendo ao devedor a escolha da prestação e dela se liberando com o cumprimento de qualquer uma. Além disso, não seria conferido ao potencial acionista o direito de opinar sobre a forma de emissão das ações.
Conforme destacou o ministro Salomão, o recurso julgado traz situação fática semelhante a dezenas de outros. A análise de como vem se dando o deslinde dessas controvérsias evidencia a “dispersão jurisprudencial sobre o tema” no Brasil. Enquanto no Rio Grande do Sul e do Mato Grosso vêm se decidindo pela ilegitimidade passiva da Brasil Telecom, no Mato Grosso do Sul, a Justiça tem reconhecido não só a possibilidade de a empresa responder à ação, como a responsabilização dela pelos supostos prejuízos. O ministro Salomão classificou como “absolutamente indesejável” o dissídio jurisprudencial, porque nele está subjacente o “tratamento desigual a jurisdicionados com o mesmo direto alegado, na contramão dos mais caros alicerces do Estado Democrático de Direito”.
Em voto minucioso, o relator resgatou, inicialmente, a farta jurisprudência do STJ no sentido de reconhecer a legitimidade do Ministério Público para propor ação civil pública na defesa de interesses individuais homogêneos, sejam eles de natureza consumerista (como no caso) ou não.
Cisão parcial
Quanto à Brasil Telecom, antes de concluir pela legitimidade da empresa para responder por obrigações decorrentes de contratos celebrados pela Telemat, o ministro traçou um histórico do processo de privatização e reestruturação do sistema de telecomunicações no Brasil. No caso, o leilão da Telebrás tratou-se de cisão parcial, afirmou o ministro, já que a empresa que permaneceu em atividade atua ainda hoje no setor. Sendo assim, a Brasil Telecom é sucessora da Telemat, concessionária controlada pela Holding Tele Centro Sul – uma das 12 empresas resultantes da cisão parcial da Telebrás.
Analisando a legislação, o ministro destacou que o artigo 233 da Lei das S/A (Lei n. 6.404/1976) resguarda o direito dos credores diante da cisão da companhia. O artigo permite que as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida sejam responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem qualquer solidariedade, desde que não haja oposição por qualquer credor no em 90 dias da data da publicação do ato de cisão. Como na cisão (seja parcial ou total) há alteração da garantia de satisfação dos credores da sociedade, vale a regra da solidariedade na responsabilização das sociedades cindida e das que absorvem seu patrimônio.
No entanto, para o caso em análise, o ministro Salomão esclareceu que os termos e restrições à solidariedade entre a cindida e as incorporadoras constantes no protocolo de cisão (ou, como no caso, no edital de desestatização) pouco importam porque são inaplicáveis aos credores com título futuros da cindida, relativamente a negócios pretéritos.
“Se o crédito sequer estava constituído à época da cisão, muito embora remotamente originado de negócio jurídico celebrado anteriormente, não há falar em credor legitimado a opor-se contra as estipulações do protocolo”, explicou o ministro Salomão. Sendo assim, não se aplica o artigo 233 da Lei das S/A aos credores com títulos estabelecidos depois da cisão parcial da empresa, mas relativos a negócios jurídicos anteriores à operação.
Prejuízos imprevisíveis
No que diz respeito ao pedido da ação civil pública, o ministro Salomão constatou que o alegado prejuízo experimentado pelos compradores de linhas telefônicas, além de não ter sido comprovado nos autos, decorreu de flutuações naturais do mercado de capitais. Para o ministro, não há qualquer garantia que se fosse dada ao comprador a faculdade de escolher qual ação seria emitida, o consumidor também não optaria pelas mesmas ações.
O Ministério Público ingressou com a ação civil um ano depois que os papéis da Telemat foram emitidos ao compradores das linha telefônicas. Naquele período, o MP constatou desvalarização de 50% se comparados às ações da Telebrás. Porém, o ministro Salomão observa que poderia não ser assim. “Nos últimos 12 meses, as ações preferenciais da Telebrás amargaram quedo de 54,74%”, comparou, citando dados do site da Bovespa.
O relator constatou, por fim, que estão ausentes “a desvantagem exacerbada e a potestatividade nulificante da cláusula em exame”, descabendo considera-la nula e devendo-se rejeitar o pedido da ação civil pública.
Entenda o caso
O Ministério Público de Mato Grosso ajuizou ação civil pública contra a Telemat. Na ação sustentou que, após o procedimento investigatório na Promotoria da Cidadania e Defesa Comunitária, impulsionado pelo apelo de um cidadão, constatou-se que, no ano de 1996, a empresa negociou 7.500 contratos de linhas telefônicas. Segundo o MP, esses assinantes, ao adquirirem as linhas telefônicas, mediante pagamento de R$ 1.117,63, investiram na concessionária do serviço público de telecomunicações, sob a promessa de emissão futura de ações da empresa Telebrás.
Porém, quando foram resgatar as ações, surpreenderam com a notícia de que as mesmas não eram da Telebrás, mas sim, da Telemat (empresa prestadora), cujo valor é bem inferior ao capital investido. Afirmou que, se fossem entregues ações da Telebrás, o comprador arrecadaria (à época) no mercado cerca de R$ 1.794, ao passo que os papéis da Telemat corresponderiam a apenas R$ 628.
O MP alegou que o contrato celebrado entre os consumidores adquirentes e a empresa, contém, em sua cláusula IV, a possibilidade de entrega de ações da Telebrás ou somente da prestadora Telemat, com flagrante escolha unilateral da fornecedora. Assim, a tal cláusula seria abusiva e traria grande prejuízo aos promitentes-adquirentes. Por essa razão, pediu a nulidade daquela cláusula dos contratos celebrados em 1996 e a condenação da Telemat a restituir a cada um dos consumidores a diferença entre o valor das ações disponibilizadas e o montante investido na aquisição das linhas telefônicas, com os acréscimos legais devidos.
Decisão reformada
A 4ª Vara da Fazenda Pública da Comarca de Cuiabá (MT) julgou procedente o pedido. A sentença foi mantida em grau de apelação ao entendimento de que seria nula, por abusiva, a cláusula que deixa ao arbítrio apenas de uma das partes a decisão acerca da espécie de ação a serem adquiridas.
Inconformada, a Brasil Telecom recorreu ao STJ sustentando ilegitimidade ativa do Ministério Público para ajuizar a ação. Alegou, ainda, sua ilegitimidade passiva, já que as obrigações pleiteadas foram assumidas antes da data da cisão e são de exclusiva responsabilidade da Telebrás, conforme edital de privatização. Por fim, argumentou que a obrigação seria alternativa, cabendo ao devedor a escolha da prestação e dela se liberando com o cumprimento de qualquer uma. Além disso, não seria conferido ao potencial acionista o direito de opinar sobre a forma de emissão das ações.
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