O Estado de Santa Catarina, a TV Globo e a RBS Zero Hora Editora Jornalística S.A. foram condenadas ao pagamento de uma indenização de R$ 270 mil, por danos morais a A. P. Ele é jardineiro autônomo, casado, e por longos anos foi funcionário de uma empresa catarinense. Na época dos fatos tinha 30 anos de idade.
Um retrato falado baseado em suas feições foi apresentado nesses meios de comunicação, com base em informações fornecidas pela polícia civil, como o do principal suspeito de ser o criminoso apelidado “maníaco da bicicleta”, que aterrorizou e estuprou mulheres em Joinville (SC). A ação tramita desde 27 de dezembro de 2000 - portanto há mais de dez anos - uma demora espantosa.
Durante muito tempo, o homem teve dificuldades de trabalhar e se manter.
O Estado foi condenado a pagar R$ 60 mil; a TV Globo, R$ 180 mil; e a RBS, R$ 30 mil. Segundo os autos, no dia 30 de outubro de 2000, A.P. foi intimado a comparecer na delegacia de polícia para ser confrontado às vítimas do “maníaco da bicicleta”.
Nesse dia da acareação, nenhuma das vítimas o reconheceu como o criminoso. Ele foi liberado em seguida. Alguns dias depois, o retrato falado do suposto criminoso foi divulgado pelo programa Fantástico, da Rede Globo, e nas páginas do jornal A Notícia. O retrato fora repassado à imprensa pela polícia civil.
Durante a demorada tramitação da ação, ficou definitivamente comprovado que a vítima do ilícito civil não era efetivamente o "maníaco". Ao lesado foi, então, em antecipação de tutela, estipulada indenização provisória por abalo moral em R$ 60.000,00 - a ser paga igualitariamente pela Globo e pela RBS Zero Hora Editora.
Na mesma decisão foi determinado o pagamento de uma prestação pecuniária mensal em favor do autor, no valor de R$ 600,00 (cada um dos três réus deveria pagar uma terça parte), porquanto "reconhecido o nexo causal entre o ato de divulgação do retrato-falado forjado e o dano decorrente disso (dificuldade em integrar-se ao mercado de trabalho)".
Mas as duas empresas agravaram ao TJ catarinense, que proveu os recursos para suspender os pagamentos.
Na sentença, publicada ontem (24) - dez anos e dois meses depois do ajuizamento da ação - o juiz Roberto Lepper, da 1ª Vara da Fazenda da comarca de Joinville, afirmou que "o retrato falado repassado à imprensa foi forjado pela polícia civil, que também encaminhou a imagem a outras forças de segurança do Estado". O juiz entendeu ainda, que "os meios de comunicação divulgaram algo inverídico, sem antes realizar um juízo crítico sobre o que foi repassado pela polícia".
O julgado é candente: "a foto de A. foi propositalmente manipulada para servir de referência ao que seria a imagem do rosto do estuprador contumaz. A manobra de manipulação foi grosseira: o contorno dos olhos, o chumaço de cabelo sobressalente por detrás da orelha e a corrente pendurada no pescoço são detalhes que, presentes em ambas as imagens (a original e o "retrato-falado"), arredam qualquer dúvida sobre a forja da figura".
Para o magistrado, o Estado e o aparato policial realizaram "manobra tendente a aplacar a ansiedade social no sentido de encontrar-se aquele que estava barbarizando nas ruas da cidade".
Por fim, o juiz avalia a extensão do drama. “A chaga provocada na psique do autor tenderá a sangrar por muito tempo, até porque ninguém consegue esquecer facilmente algo tão avassalador como o que enfrentou A. - nem sei se alguém realmente consegue digerir, ao longo da vida, trauma dessa envergadura”.
Ainda não há trânsito em julgado. A condenação da RBS Zero Hora Editora se dá na condição de sucessora de A Notícia S/A Empresa Jornalística.
(Proc. nº 03800061710-2 - com informações do TJ-SC e da redação do Espaço Vital.com.br).
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