Há casos em que a taxa de
inadimplência do condomínio se aproxima dos quóruns necessários para aprovação
de uma obra, por exemplo, o que, segundo autor deste artigo, acaba impedindo a
votação
O processo de tomada de decisões em
um condomínio, por suas particularidades, deve observar alguns princípios,
quais sejam:
- i) participação (art. 1335, III do CC/2002),
que diz respeito ao direito individual do condômino de integrar a construção
das diretrizes e normas que regularão internamente a comunidade
condominial, bem como definir os serviços, obras e seus custos;
- ii) decisão colegiada, que fixa a competência
da pluralidade dos indivíduos reunidos para decidir sobre determinadas
matérias apontadas pela legislação e pela convenção, observando os
respectivos quóruns (art. 1334, III, do CC/2002);
- iii) representação, relacionado à capacidade
de aqueles indivíduos reunidos serem considerados representantes do todo
(art. 1352 do CC/2002);
- iv) soberania das decisões, do qual decorre o
poder de vincular a totalidade dos condôminos às decisões tomadas pelo
colegiado (art. 24, § 1, da lei 4591/64).
Assim sendo, a legitimidade das
decisões tomadas pela assembleia decorre da sua competência
de representação do todo. No dizer de VENOSA1:
“A assembleia dos condôminos representa o poder legislativo do instituto
condominial”, impondo-se indistintamente sobre adimplentes, inadimplentes e
sobre aqueles que anuíram ou não com as decisões tomadas.
Por sua vez, os quóruns estabelecidos
pelo legislador e pela convenção constituem garantia mínima de representatividade,
devendo, como um todo orgânico, coadunarem-se com os princípios acima
assinalados, não podendo haver antagonismos autofágicos entre eles, mas
complementariedade.
Posto isso, temos que o direito
individual do condômino de participar e
votar das decisões colegiadas está condicionado à situação de
adimplemento quanto a suas obrigações, a teor do que preconiza o
art. 1335, III, do Código Civil:
Art. 1.335. São
direitos do condômino: (...) III - votar nas deliberações da assembleia e delas
participar, estando quite.
No dizer de Fábio Ulhoa Coelho2:
"O condômino que deixou de pagar
qualquer contribuição, ordinária ou extraordinária, tem legalmente suspenso o
direito de participar da assembleia de condomínio enquanto não emendar a mora,
com os consectários legais. A suspensão atinge tanto o direito de participar
das discussões dos temas constantes da ordem do dia (voz) como das deliberações
que devem ser adotadas acerca deles (voto). Mesmo o condômino que discorda do
pagamento de determinada parcela que lhe foi cobrada sofre a restrição nos
direitos de voz e voto. Ele não pode simplesmente inadimplir a obrigação; se
considera indevida a parcela, deve buscar em juízo a invalidação da cobrança.”
Resta estreme de dúvidas que ao condômino inadimplente não é dado o direito de
participar, ou seja, de opinar, refutar opinião alheia, deliberar e
decidir sobre a vida condominial, de forma que sua condição o impede de tomar
parte do órgão colegiado, que atuará como representante da massa e imporá a
decisão sobre a totalidade dos condôminos.
E aqui é o ponto fundamental para
fixarmos as bases do entendimento de que o condômino
inadimplente deve ser excluído do computo dos votos para fins de se alcançar a
aprovação de determinada matéria por quórum qualificado: ele não pode
influenciar nas decisões.
Imaginemos que um determinado
condomínio, desejoso de realizar uma obra de embelezamento em seu hall de
entrada, tenha submetido a matéria à deliberação pela assembleia.
Conforme disposição do Código Civil
(art. 1341, I), o quórum para aprovação de
uma obra voluptuária é de 2/3 dos condôminos. Entretanto, este mesmo
condomínio possui uma inadimplência de mais de 1/3.
Se considerássemos necessário que os 2/3 referidos pela norma incluíssem os
inadimplentes, teríamos por prejudicada
a votação. Neste caso hipotético, os inadimplentes
teriam participação absoluta e decisiva, não havendo, além de aprovação
da obra, a própria votação.
Neste caso, o direito de participação dos condôminos
adimplentes seria sumariamente tolhido pelos inadimplentes. Por certo,
essa não foi a vontade do legislador, que é, em última análise, a de atender ao
bem comum e trazer a paz social. Neste sentido, dispõe o art. 5 da Lei de
Introdução ao Código Civil:
Art. 5º Na
aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às
exigências do bem comum.
Não nos parece correta a
interpretação dada de que os dispositivos
do Código Civil que tratam a respeito do quórum de votação não trazem a
expressão “votos válidos” ou “votos dos adimplentes”, para fins de
justificar a inclusão dos inadimplentes no cômputo da formação do quórum.
Trata-se, a nosso ver, de uma redundância. É como dizer “viajarei em um avião que voa”. O
direito do inadimplente ao voto é inexistente, não dependendo de nova
declaração além daquela capitulada no art. 1335, III, do Código Civil. O
sistema normativo é um conjunto orgânico, cujos dispositivos se complementam e
não se anulam.
Acerca do tema, em obra coordenada
pelo ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal Cezar Peluso, chegou-se ao mesmo
entendimento acima referido:
Resta saber se deve ser levado em
conta, para composição global do quorum, o condômino impedido de votar. Não teria
sentido que os inadimplentes, em razão de seu impedimento, inviabilizassem
diversas deliberações relevantes para a vida condominial, como a realização de
obras no edifício (art. 1.341), a alteração da convenção de condomínio (art.
1.351), [...]. Haveria duplo prejuízo aos condôminos pontuais, tanto por terem
de adiantar a parte dos inadimplentes como por não conseguirem quórum para
deliberações relevantes para a vida condominial. Sensato o entendimento de que
diversos quoruns exigidos pelo Código Civil, como os acima referidos, sejam
calculados sobre o número de condôminos aptos a votar, excluídos os
inadimplentes (Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência. Coordenador
Cezar Peluso – 7ª ed. rev. e atual. – Barueri, SP: Manole, 2013., p. 1.351 – grifou-se).
Inobstante a inexistência de número
considerável de julgados, podemos colacionar algumas decisões representativas
que corroboram com o entendimento aqui perfilhado:
CONDOMÍNIO. ALTERAÇÃO DE CONVENÇÃO
CONDOMINIAL. QUÓRUM. CONDÔMINOS INADIMPLENTES. Pretensão das autoras,
condôminas, à anulação da nova norma condominial.
1. A exclusão dos condôminos
inadimplentes da votação não pode obstar a configuração do quórum necessário à
aprovação de alteração de Convenção, sob pena de impedir deliberações
essenciais à administração do Condomínio. O melhor entendimento é aquele que considera,
para o estabelecimento do quórum, apenas os condôminos aptos a votar.
2. Nota-se que apenas poderiam votar
na assembleia impugnada vinte e dois moradores, do total de trinta. Estiveram
presentes na assembleia quinze condôminos, que representam mais de 2/3 do
quórum exigido para aprovação da alteração na convenção do Condomínio (art.
1.351, primeira parte, do CC). Assim, sob diversos enfoques, o aspecto formal
da assembleia, pela qual houve a aprovação de nova Convenção, foi observado.
[...] (TJ-SP - APL: 92517242820088260000 SP 9251724-28.2008.8.26.0000, Relator:
Carlos Alberto Garbi, Data de Julgamento: 11/06/2013, 10ª Câmara de Direito
Privado, Data de Publicação: 17/06/2013 – grifou-se). DIREITO CIVIL.
PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. ANULATÓRIA. ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA.
CONDÔMINO INADIMPLENTE. DIREITO DE VOTO. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO CONHECIDO E
IMPROVIDO. 1. O Estatuto originário do condomínio réu prevê que o direito de
voto (tanto para a Assembléia Geral Ordinária como para a Extraordinária) está
condicionado à pontualidade do pagamento da contribuição condominial; razão
pela qual, o quorum para deliberação deverá ser calculado sobre o número de
condôminos aptos a votarem, excluídos os inadimplentes. [...] (TJ-DF - APC:
20080210060877, Relator: ALFEU MACHADO, Data de Julgamento: 28/01/2015, 3ª
Turma Cível, Publicado no DJE: 09/02/2015 - grifou-se) APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO
DECLARATÓRIA DE CONVALIDAÇÃO DE ASSEMBLÉIA GERAL EXTRAORDINÁRIA - DESTITUIÇÃO
DE SÍNDICO - BENEFÍCIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA - DEFERIMENTO -
OBSERV NCIA DAS REGRAS ESTATUÍDAS PELA CONVENÇÃO CONDOMINIAL E PELA LEI N.º
4.591/64 - EXCLUSÃO DE VOTOS DE CONDÔMINOS INADIMPLENTES - QUORUM ATINGIDO -
MULTA PELO DESCUMPRIMENTO DE DECISÃO JUDICIAL - REDUÇÃO PARA VALOR RAZOÁVEL -
RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO."(TJPR - 18ª C.Cível - AC 294619-6 - Curitiba
- Rel.: Luiz Sérgio Neiva de Lima Vieira - Unânime - J. 07.07.2006 – grifou-se)
Por todo exposto, podemos concluir que a base de cálculo para
compor os diversos quóruns qualificados de votação, previstos na legislação e
convenção de condomínio, deve excluir os condôminos inadimplentes com suas
obrigações.
1VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos
Reais. 9 ed. São Paulo: Atlas S.A, 2009, 5 v
2 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil.
São Paulo: Saraiva, 2006, 4 v., 145-146.
Por Zulmar Koerich*
(*) Zulmar Koerich é advogado especialista em condomínios que atua em Santa Catarina; autor de três livros “Condomínio Edilício - Aspectos Práticos e Teóricos”, “Manual para Síndicos, Membros de Conselho e Administradores em 323 perguntas e respostas”, e “Danos Morais nos Tribunais”; pós-graduado em Direito Civil e Empresarial
in https://www.sindiconet.com.br/informese/exclusao-do-voto-do-inadimplente-para-quoruns-qualificados-colunistas-zulmar-koerich
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