quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

Desconsideração da personalidade jurídica

  • Desconsideração da personalidade jurídica

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    Daniel Bushatsky

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    Tomo Direito Comercial, Edição 1, Julho de 2018

Tema sempre instigante e, portanto, atual, é o da desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica1 para atingir os bens dos sócios ou dos administradores, pois esta medida, em tese excepcional, pode, em sua exacerbação, trazer insegurança para o desenvolvimento econômico e questionamentos sobre o devido processo legal quando decretada.
Isto porque a limitação de perdas pelos tipos societários2 que prescrevem a responsabilidade limitada dos sócios ao subscreverem e integralizarem o capital, visa a trazer incentivos ao empreendedorismo. Em consequência, saber com certeza quando e como os bens dos sócios (e pessoais) podem ser atingidos é medida de segurança jurídica e facilita o cálculo empresarial, que reflete diretamente nos preços dos produtos e serviços, a par de conduzir a decisão de investimento.
A existência de uma legislação clara, especificando quando uma medida excepcional, porém preservativa da boa condução dos negócios sociais,3 como a desconsideração da autonomia patrimonial da personalidade jurídica, pode ocorrer, bem como as formas de defesa, retrata o grau de desenvolvimento de um país maduro e seguro para investimentos.4 
É nesse caminho que as introduções trazidas pelo novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015 e doravante “nCPC”), são vistas com bons olhos, pois criou, como veremos abaixo, incidente processual para a análise da possibilidade de mitigação da autonomia patrimonial.5 

1. Conceito

A desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica (“desconsideração da personalidade jurídica”) é medida extrema e cirúrgica, coibindo a fraude ou o abuso de direito e, de uma forma mais simples e objetiva, pois incluídos nos dois institutos citados, a confusão patrimonial, permitindo que no caso em concreto, respeitado o devido processo legal, o credor alcance os bens particulares dos sócios e administradores. Ela reforça a autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a preservação da empresa, não devendo ser utilizada tão somente porque a pessoa jurídica não tenha mais bens para satisfazer aos seus credores.

2. Desconsideração da personalidade jurídica

A desconsideração da personalidade jurídica nasceu, na verdade, para corroborar o instituto do princípio da autonomia patrimonialda pessoa jurídica,7 evitando-se que haja fraude ou abuso de direito. Assim, ela é um reforço indireto para que sócios e administradores atuem visando ao bem comum da sociedade empresária, preservando-a e mantendo a sua função social, coibindo manipulação da pessoa jurídica com o fim de fraudar credores.
É nesse sentido o comentário de Fábio Ulhôa Coelho:8 “[a] teoria da desconsideração da personalidade jurídica não é contrária à personalização das sociedades empresárias e à sua autonomia em relação aos sócios. Ao contrário, seu objetivo é preservar o instituto, coibindo práticas fraudulentas e abusivas que dele se utilizam”. 
 Observe-se que é a análise do caso concreto que permitirá ao juiz9 decretar a desconsideração da personalidade jurídica, tendo em vista que os atos praticados revestem-se, normal e aparentemente, de licitude.10 Provando-se que houve fraude ou abuso de direito (formulação subjetiva) ou confusão patrimonial (formulação objetiva) é que se deve levantar o véu da pessoa jurídica para encontrar a satisfação dos credores nos bens pessoais dos sócios e administradores.
Ciente da dificuldade de prova da formulação subjetiva, Fábio Konder Comparato11 expôs que deve ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica sempre que houver confusão patrimonial (formulação objetiva): 
“A confusão patrimonial entre controlador e sociedade controlada é, portanto, o critério fundamental para a desconsideração da personalidade jurídica externa corporis. E compreende-se, facilmente, que assim seja, pois, em matéria empresarial, a pessoa jurídica nada mais é do que uma técnica de separação patrimonial. Se o controlador, que é o maior interessado na manutenção desse princípio, descumpre-o na prática, não se vê bem porque os juízes haveriam de respeitá-lo, transformando-o, destarte, numa regra puramente unilateral. (...) O que se pretende em suma, tanto na companhia isolada como no grupo econômico, é simplesmente adequar o direito à realidade econômica, considerando a personalidade jurídica em sua verdadeira dimensão, isto é, como técnica, meramente relativa, de separação de patrimônios, e não como entidade metafísica de valor absoluto” (realce nosso). 
Note-se que houve patente influência do doutrinador acima mencionado na redação do artigo 50 do Código Civil,12 que dentro da nossa legislação, é o que mais se aproxima da correta interpretação do instituto. Isto porque outras legislações, como o Código de Defesa do Consumidor (“CDC”)13 e a Lei Antitruste14 confundem a “aparente licitude” dos atos praticados, com a ilicitude cometida por alguns sócios e administradores nas deliberações sociais e decisões ligadas à gestão da empresa, que devem ser combatidas por outros institutos, respectiva e exemplificadamente, o do abuso de poder de controle e o da responsabilidade civil do administrador.   
Exemplo claro está na legislação consumerista, que com a anuência dos tribunais,15 acaba deixando a teoria ora estudada de lado, pois basta ocorrer a impossibilidade de pagamento pela pessoa jurídica para que haja a sua desconsideração, levando abaixo todas as vantagens dos tipos societários que estabelecem a responsabilidade limitada de seus sócios.   
Desta forma, deve-se deixar claro que a desconsideração da personalidade jurídica visa à suspensão episódica dos efeitos da personalização,16 em especial a autonomia patrimonial, para que haja a satisfação dos credores, quando provado existir fraude ou abuso de direito e, de forma mais simples e objetiva, pois incluídos nos dois institutos citados, a confusão patrimonial.17  
Por outro lado, também é possível a “desconsideração inversa” da personalidade jurídica,18 quando provado que é a sociedade que oculta bens dos seus sócios (pessoa física ou jurídica), acarretando a impossibilidade de satisfação dos credores. Judith Martins-Costa19 comenta que no caso da desconsideração inversa da personalidade jurídica, os sócios se utilizam da sociedade de forma a ocultar o patrimônio pessoal e a desconsideração não é da sociedade para encontrar o sócio, mas parte do sócio para atribuir-se a responsabilização à sociedade.20 
Sendo assim, entendido que a desconsideração da personalidade jurídica é medida extrema, que deve existir exatamente para garantir a autonomia patrimonial e a preservação da empresa, sem que se chegue nos bens dos sócios sem o sólido preenchimento de requisitos sérios, passaremos a estudar, no próximo capítulo, aspectos processuais introduzidos pelo “nCPC”. 

3. Aspectos processuais da desconsideração da personalidade jurídica

O “nCPC” inovou e estabeleceu em seu artigo 133 e seguintes úteis,21 o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, que poderá ser requerido em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial e, inclusive, na própria petição inicial.22 
Tal alteração é, em nosso ver, positiva, por, no mínimo, seis razões: (i) prestigia o instituto estudado no capítulo anterior, pois não poderá mais ser deferido através de simples despacho no meio do processo, devendo o requerimento demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da autonomia patrimonial da personalidade jurídica;23 (ii) garante a dilação probatória, com a citação do requerido para apresentação de defesa, em 15 (quinze) dias e para requerer a produção de provas cabíveis;24 (iii) em complemento ao item “ii”, garante o devido processo legal através do contraditório e ampla defesa e não inverte, muitas vezes indiretamente, o ônus da prova que é sempre do requerente;25 (iv) positiva no direito brasileiro a desconsideração inversa da personalidade jurídica;26 (v) prevê que da decisão da desconsideração da personalidade jurídica cabe agravo de instrumento, que teve suas hipóteses reduzidas no “nCPC”, justamente para trazer celeridade ao processo;27 e (vi) acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente.28 
Desta forma, o “nCPC” tenta assegurar o devido processo legal e a segurança jurídica,29 evitando, assim, os abusos cometidos por alguns tribunais, que adotam a teoria menor, ou seja, desconsideram a personalidade jurídica, sem considerar se houve a concretização de uma das hipóteses das formulações objetiva ou subjetiva (teoria maior), a par de clarear o processo judicial a ser perseguido, com franca segurança social.
Vale aqui realçar dois pontos. A lei processual deve andar em conjunto com a lei substantiva. A necessidade de preenchimento dos pressupostos processuais, aliada à melhor doutrina, há de levar os julgadores à aplicação correta do instituto, aprimorando a legislações da melhor forma possível (vide item sobre o “CDC” e a Lei Antitruste), pelo menos após a instauração do incidente. Por outro lado, a legislação mais moderna já positiva da maneira mais adequada a desconsideração da personalidade jurídica, como se vê no artigo 14, da Lei Anticorrupção.30  
O segundo ponto decorre do Projeto de Código Comercial (“PCC”) que, em nosso ver positivará, se aprovado, de forma correta o instituto, prestigiando o empreendedorismo e o cálculo empresarial, em seu artigo 128 e seguintes.31 No “PCC” deverá, também, ser provada a fraude, respeitado o devido processo legal; assim, a simples insuficiência de bens no patrimônio da sociedade empresária para a satisfação de direito de credor não autorizará a desconsideração de sua personalidade jurídica, que deve ser pontual e cirúrgica, seguindo a jurisprudência atual do Superior Tribunal de Justiça.32  
Desta forma, as introduções do “nCPC”, coadunam-se não só com as novas legislações, como também com os princípios de direito, visando à superação de conflitos perpetrados com má-fé.33 
Por fim, deve-se destacar que a pessoa jurídica sempre será parte legitima para figurar no litisconsórcio passivo, pois é ela que foi possivelmente utilizada e, também, lesada através dos atos fraudulentos.34

4. Conclusões

A desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica é medida extrema e cirúrgica, coibindo a fraude ou o abuso de poder e da forma mais simples e objetiva, pois incluída nos dois institutos citados, a confusão patrimonial. Ela reforça a autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a preservação da empresa, não devendo ser utilizada tão somente porque a pessoa jurídica não tenha mais bens para satisfazer aos seus credores.
Fique claro: o instituto não dissolve a pessoa jurídica e, sim, permite a declaração da ineficácia do ato fraudulento para satisfazer credor atingido pela fraude ou pelo abuso de direito. 
Com o “nCPC”, a doutrina da desconsideração da personalidade jurídica ganha força, pois é criado um ambiente processual constitucional, com respeito ao devido processo legal, coibindo que o instituto seja usado de forma leviana, sem oportunidade de defesa ao requerido.
O “nCPC” também cunha uma atmosfera institucional que garanta decisões que satisfaçam às partes, com mais previsibilidade, o que traz isonomia aos jurisdicionados e, como espera-se, maior agilidade. Isto certamente fará com que a desconsideração da personalidade jurídica seja, aos poucos, interpretada como recomenda a melhor doutrina (teoria maior), sem consistir um subterfúgio a uma justiça somente aparente, ao credor.
Ademais, o incidente da desconsideração da autonomia patrimonial da pessoa jurídica somente pode ser utilizado quando harmonizado com a lei substantiva, é evidente sob pena de se ferir a tão proclamada segurança jurídica, o que refletirá no empreendedorismo, nos investimentos feitos no Brasil e no cálculo empresarial. A previsão deste incidente já representa avanço e inovação, na medida em que estabelece procedimento próprio destinado à desconsideração da personalidade jurídica, buscando dirimir algumas controvérsias apartadas do propósito fundamental do direito processual.

Notas

1 O Decreto 2.427, de 17.12.1997, promulgou a Convenção Interamericana sobre personalidade e capacidade das pessoas jurídicas no direito internacional privado, estabelecendo que elas são toda entidade que tenha existência e responsabilidades próprias, distinta da de seus membros, e que seja qualificada como pessoa jurídica segundo a lei do lugar de sua constituição. Rubens Requião complementa explicando os efeitos da personalização: “Adquirindo personalidade jurídica, diversas consequências úteis ocorrem à sociedade comercial. Entre elas podemos catalogar as mais expressivas no seguinte elenco: 1ª) Considerar-se a sociedade uma pessoa, isto é, um sujeito “capaz de direito e obrigações”. Pode estar em juízo por si, contrata e se obriga. “A sociedade adquire sujeitos, assume obrigações e procede judicialmente, por meio de administradores com poderes especiais, ou, não os havendo, por intermédio de qualquer administrador”. É o dispositivo do art. 1022 do Código Civil, estabelecendo a legitimidade contratual, a responsabilidade patrimonial e a legitimidade processual da sociedade personificada. 2ª) Tendo a sociedade, como pessoa jurídica, individualidade própria, os sócios que a constituírem com ela não se confundem, não adquirindo por isso a qualidade de comerciantes. (Na reforma da lei das sociedades comerciais, verificada em 1966, na França, nas sociedades em nome do coletivo, todos os sócios adquirem a qualidade de comerciantes). 3ª) A sociedade com personalidade adquire ampla autonomia patrimonial. O patrimônio é seu, e esse patrimônio, seja qual for o tipo da sociedade, responde ilimitadamente pelo seu passivo. 4ª) A sociedade tem a possibilidade de modificar a sua estrutura, quer jurídica, com a modificação do contrato adotando outro tipo de sociedade, quer econômica, com a retirada ou ingresso de novos sócios, ou simples substituição de pessoas, pela cessão ou transferência de parte do capital”. (REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial, pp. 453-454).
2 É possível a desconsideração da autonomia patrimonial de associações e fundações, mas o foco deste verbete é a sociedade empresária.
3 “Trata-se de uma técnica de incentivo, pela qual o direito busca conduzir e influenciar a conduta dos integrantes da comunidade jurídica” (JUSTEN FILHO, Marçal. Desconsideração da personalidade societária no direito brasileiro, p. 49).
4 Na mesma toada, José Anchieta da Silva assevera: “De invocações cada vez mais recorrentes nos processos brasileiros – de modo, mais das vezes, equivocada -, a desconsideração da personalidade jurídica tem feito viúvas e órfãos (em linguagem figurada), na seara das sociedades empresariais. Suscitadas em demandas dos mais variados tipos (cobranças, falências, litígios entre sócios), provocadas mediante simples petições, têm sido concedidas por despachos avulsos, frequentemente sem qualquer oportunidade de defesa e sem o estabelecimento do contraditório mínimo, em relação às pessoas atingidas por tais decisões. A frequência dessas decisões trouxe de volta ao mundo forense, aquela antiga expressão pilhérica, segundo a qual, não tendo o infeliz a quem ou como recorrer, se lhe dizem: que vá se queixar com o bispo” (SILVA, José Anchieta da. O Instituto da desconsideração da personalidade jurídica no anteprojeto do novo Código de Processo Civil, p. 352).
5 O incidente de desconsideração da personalidade jurídica não pode ser chamado para substituir outras garantias dos jurisdicionados, como penhor, arresto, sequestro, tutelas de emergência e de urgência.
6 Por sua vez, o art. 113, do Projeto do Código Comercial, estabelece os princípios do direito comercial societário: “Art. 113. São princípios do direito comercial societário: I – liberdade de associação; II – autonomia patrimonial da sociedade empresária; III– subsidiariedade da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais; IV – limitação da responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais como proteção do investimento; V– prevalência da vontade ou entendimento da maioria nas deliberações sociais; VI – proteção dos sócios minoritários” (realce nosso).
7 Complementando o tema: vale lembrar que a pessoa jurídica possui existência autônoma, sendo ela sujeita de direito e obrigações. Nas palavras de Clóvis Bevilaqua: “pois que cada um dos sócios é uma individualidade e a sociedade uma outra, não há como lhe confundir a existência” (BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, p. 220). E, ainda: “[a] pessoa jurídica é, portanto, um instrumento técnico-jurídico desenvolvido para facilitar a organização da atividade econômica. É técnica criada para o exercício da atividade econômica e, portanto, para o exercício do direito de propriedade. A chamada função social da pessoa jurídica (função social da empresa) é corolário da função social da propriedade. Se assim é, o caráter de instrumentalidade implica o condicionamento do instituto ao pressuposto do atingimento do fim jurídico a que se destina. Qualquer desvio ou abuso deve dar margem para a aplicação da sanção contida na desconsideração da personalidade jurídica, segundo a doutrina brasileira. O estudo da desconsideração da personalidade jurídica feito pela doutrina brasileira adota, portanto, a seguinte premissa: é indispensável à análise funcional do instituto da pessoa jurídica, a partir da análise também funcional do direito de propriedade, para que se possa compreender corretamente a desconsideração, que, em teoria geral do direito, é sanção aplicada a ato ilícito (no caso, a utilização abusiva da personalidade jurídica)” (DIDIER, Fredie Jr. Arbitragem: estudos sobre a Lei n. 13.129, de 26-5-2015, p. 266).
8 COELHO, Fabio Ulhôa. Curso de direito comercial: direito de empresa, p. 61.
9 “Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Recurso especial. Ação civil pública. Poluição ambiental. Empresas mineradoras. Responsabilidade do Estado por omissão. Responsabilidade solidária. Responsabilidade subsidiária. (...) A desconsideração da pessoa jurídica consiste na possibilidade de se ignorar a personalidade jurídica autônoma da entidade moral para chamar à responsabilidade seus sócios ou administradores, quando utilizam-na com objetivos fraudulentos ou diversos daqueles para os quais foi constituída. Portanto, (i) na falta do elemento “abuso de direito”; (ii) não se constituindo a personalização social obstáculo ao cumprimento da obrigação de reparação ambiental; e (iii) nem comprovando-se que os sócios ou administradores têm maior poder de solvência que as sociedades, a aplicação da disregard doctrine não tem lugar e pode constituir, na última hipótese, obstáculo ao cumprimento da obrigação. Segundo o que dispõe o art. 3º, IV, c/c o art. 14, § 1º, da Lei n. 6.938/81, os sócios/administradores respondem pelo cumprimento da obrigação de reparação ambiental na qualidade de responsáveis em nome próprio. A responsabilidade será solidária com os entes administrados, na modalidade subsidiária. A ação de reparação/recuperação ambiental é imprescritível. Recursos de Companhia Siderúrgica Nacional, Carbonífera Criciúma S/A, Carbonífera Metropolitana S/A, Carbonífera Barro Branco S/A, Carbonífera Palermo Ltda., Ibramil - Ibracoque Mineração Ltda. não-conhecidos. Recurso da União provido em parte. Recursos de Coque Catarinense Ltda., Companhia Brasileira Carbonífera de Araranguá (massa falida), Companhia Carbonífera Catarinense, Companhia Carbonífera Urussanga providos em parte. Recurso do Ministério Público provido em parte” (realce nosso). (STJ, REsp 647.493/SC, rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 22.05.2000, DJe 22.10.2007, p. 233.)
10 Rolf Serick (Universidade de Tubigen), em 1953, formulou quatro princípios gerais: (a) O juiz, diante do abuso da forma da pessoa jurídica, pode, para impedir a realização do ilícito, desconsiderar o princípio da separação entre sócio e pessoa jurídica; (b) Não é possível desconsiderar a autonomia subjetiva da pessoa jurídica apenas porque o objetivo de uma norma ou a causa de um negócio não foram atendidos; (c) Aplicam-se à pessoa jurídica as normas sobre capacidade ou valor humano, se não houver contradição entre os objetivos destas e a função daquela. Em tal hipótese, para atendimento dos pressupostos da norma, levam-se em conta as pessoas físicas que agiram pela pessoa jurídica; e, (d) Se as partes de um negócio jurídico não podem ser consideradas um único sujeito apenas em razão da forma da pessoa jurídica, cabe desconsiderá-la para aplicação de norma cujo pressuposto seja diferenciação real entre aquelas partes. (Apud COELHO, Fabio Ulhôa. Curso de direito comercial: direito de empresa, p. 36)
11 COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima, p. 362.
12 Art. 50, do Código Civil: “Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica” (realce nosso).
13 Art. 28 do Código de Defesa do Consumidor: “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocada por má administração. (...) § 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores”. Sobre o tema, confira Fernando Schwartz Gaggini: “Nesse contexto, observa-se a confusa redação do caput do artigo, e ainda, em especial, a disposição do parágrafo 5º, que viabiliza a desconsideração sempre que a personalidade for obstáculo ao ressarcimento dos consumidores, deixando em segundo plano qualquer previsão de uso indevido do instituto. Trata-se, portanto, de redação que distorce as reais características do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, dotando-o de outros caracteres que fogem à real função do mecanismo” (GAGGINI, Fernando Schwarz. A responsabilidade dos sócios nas sociedades empresarias, p. 156).
14 A Lei 12.529/2011 Antitruste: “Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração” (Vide Art. 18, da Lei Antitruste anterior – Lei 8.884/1994).
15 “Ação de Indenização Por Ato Ilícito - Cumprimento de Sentença – Insolvência da Pessoa Jurídica - Desconsideração da Pessoa Jurídica - Art. 28, § 5º, do Código de Defesa do Consumidor - possibilidade - precedentes do STJ - decisão monocrática que deu provimento ao recurso especial. insurgência da ré. 1. É possível a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária - acolhida em nosso ordenamento jurídico, excepcionalmente, no Direito do Consumidor - bastando, para tanto, a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, é o suficiente para se “levantar o véu” da personalidade jurídica da sociedade empresária. Precedentes do STJ: REsp 737.000/MG, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 12/09/2011; (Resp 279.273, Rel. Ministro Ari Pargendler, Rel. p/ acórdão Ministra Nancy Andrighi, 29/03/2004; REsp 1111153/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe de 04/02/2013; REsp 63981/SP, Rel. Min. Aldir Passarinho Júnior, Rel. p/acórdão Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJe de 20/11/2000. 2. ‘No contexto das relações de consumo, em atenção ao art. 28, § 5º, do CDC, os credores não negociais da pessoa jurídica podem ter acesso ao patrimônio dos sócios, mediante a aplicação da disregard doctrine, bastando a caracterização da dificuldade de reparação dos prejuízos sofridos em face da insolvência da sociedade empresária’. (REsp 737.000/MG, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 12/09/2011). 3. Agravo regimental desprovido” (realce nosso). (AgRg no REsp 1.106.072/MS, 4ª Turma, rel. Min. Marco Buzzi, j. 02.09.2014.) 
16 Como lembra J. Lamartine Corrêa de Oliveira, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica é “o mais agudo sintoma de crise de função”. (OLIVEIRA, J. Lamartine Corrêa de. A dupla crise da pessoa jurídica, p. 608.)
17 Enunciado 7 do STJ – Art. 50: “Só se aplica a desconsideração da personalidade jurídica quando houver a prática de ato irregular e, limitadamente, aos administradores ou sócios que nela hajam incorrido”.
18 “Processual Civil e Civil. Execução de Título Judicial. Art. 50 DO CC/02. Desconsideração da Personalidade Jurídica Inversa. Possibilidade. A desconsideração inversa da personalidade jurídica caracteriza-se pelo afastamento da autonomia patrimonial da sociedade, para, contrariamente do que ocorre na desconsideração da personalidade propriamente dita, atingir o ente coletivo e seu patrimônio social, de modo a responsabilizar a pessoa jurídica por obrigações do sócio controlador. Considerando-se que a finalidade da disregard doctrine é combater a utilização indevida do ente societário por seus sócios, o que pode ocorrer também nos casos em que o sócio controlador esvazia o seu patrimônio pessoal e o integraliza na pessoa jurídica, conclui-se, de uma interpretação teleológica do art. 50 do CC/02, ser possível a desconsideração inversa da personalidade jurídica, de modo a atingir bens da sociedade em razão de dívidas contraídas pelo sócio controlador, conquanto preenchidos os requisitos previstos na norma. A desconsideração da personalidade jurídica configura-se como medida excepcional. Sua adoção somente é recomendada quando forem atendidos os pressupostos específicos relacionados com a fraude ou abuso de direito estabelecidos no art. 50 do CC/02. Somente se forem verificados os requisitos de sua incidência, poderá o juiz, no próprio processo de execução, ‘levantar o véu’ da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atinja os bens da empresa” (realce nosso). (REsp 948.117, 3ª Turma, rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 03.08.2010.)
19 MARTINS-COSTA, Judith. Parecer sobre a desconsideração da personalidade jurídica. Porto Alegre, 01.02.2011.
20 Enunciado 283, CJF – Art. 50. “É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada ‘inversa’ para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”.
21 “Art. 133.  O incidente de desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo.
§ 1º O pedido de desconsideração da personalidade jurídica observará os pressupostos previstos em lei.
§ 2º Aplica-se o disposto neste Capítulo à hipótese de desconsideração inversa da personalidade jurídica.
Art. 134.  O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial.
§ 1º A instauração do incidente será imediatamente comunicada ao distribuidor para as anotações devidas.
§ 2º Dispensa-se a instauração do incidente se a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição inicial, hipótese em que será citado o sócio ou a pessoa jurídica.
§ 3º A instauração do incidente suspenderá o processo, salvo na hipótese do § 2º.
§ 4º O requerimento deve demonstrar o preenchimento dos pressupostos legais específicos para desconsideração da personalidade jurídica.
Art. 135.  Instaurado o incidente, o sócio ou a pessoa jurídica será citado para manifestar-se e requerer as provas cabíveis no prazo de 15 (quinze) dias.
Art. 136.  Concluída a instrução, se necessária, o incidente será resolvido por decisão interlocutória.
Parágrafo único.  Se a decisão for proferida pelo relator, cabe agravo interno.
Art. 137.  Acolhido o pedido de desconsideração, a alienação ou a oneração de bens, havida em fraude de execução, será ineficaz em relação ao requerente”.
22 Enunciado 125: “Há litisconsórcio passivo facultativo quando requerida a desconsideração da personalidade jurídica, juntamente com outro pedido formulado na petição inicial ou incidentalmente no processo em curso”.
23 Dessa forma, o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade trará adequação entre o meio e o fim, proibindo excesso na utilização de uma norma ou de um princípio, sempre sopesando custo-benefício e a eficiência, visando à tranquilidade social. É um verdadeiro balizador na interpretação do ordenamento jurídico, tentando trazer justiça as partes contratantes.
24 Enunciado n. 248, do FPPC: “Quando a desconsideração da personalidade jurídica for requerida na petição incumbe ao sócio ou a pessoa jurídica, na contestação, impugnar não somente a própria desconsideração, mas também os demais pontos da causa”.
25 Atualmente, não é incomum, nos casos de desconsideração de personalidade jurídica, o requerido ter que provar que não houve fraude ou confusão patrimonial, após o deferimento pelo juiz do instituto, sem dilação probatória.
26 Já havia enunciado do STJ sobre o tema: “283 – Art. 50: É cabível a desconsideração da personalidade jurídica denominada “inversa” para alcançar bens de sócio que se valeu da pessoa jurídica para ocultar ou desviar bens pessoais, com prejuízo a terceiros”.
27 Enunciado n. 390 do FPPC: “Resolvida a desconsideração da personalidade jurídica na sentença, caberá apelação”.
28 A Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) promoveu, de 26 a 28 de agosto, em Brasília, o seminário Poder Judiciário e o novo Código de Processo Civil, que reuniu cerca de 500 magistrados de todo o País para debaterem as inovações e desafios do novo diploma. Os enunciados 52 e 53 são sobre o incidente de desconsideração da personalidade jurídica. Confira-se: (a) A citação a que se refere o art. 792, § 3º, do CPC/2015 (fraude à execução) é a do executado originário, e não aquela prevista para o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (art. 135 do CPC/2015). (b) O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente prescinde do incidente de desconsideração da personalidade jurídica prevista no art. 133 do CPC/2015. Não concordamos com o segundo enunciado, que prestigia a teoria menor do instituto, trazendo insegurança ao empresariado.
29 Teresa Arruda Alvim Wambier, em artigo intitulado “O que se espera do novo CPC?”, expõem os objetivos do novo CPC, bem como a necessidade de existir segurança jurídica: “[f]undamentalmente que cumpra três finalidades: 1ª) que resolva o problema das partes definitivamente; 2ª) que o faça com agilidade; e 3ª) e que haja melhora na performance do Judiciário, no que diz respeito a dois aspectos: a sua lentidão e a incapacidade de gerar segurança jurídica, no sentido de previsibilidade” [...] “a instabilidade e a desuniformidade da jurisprudência desacredita o Poder Judiciário, decepciona o jurisdicionado, desrespeita, inaceitavelmente, o princípio da isonomia, desacredita o país até no âmbito internacional” (realce nosso). (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O que se espera do Novo CPC?, p. 198.)
30 A Lei 12.846/2013 - Lei Anticorrupção: “Art. 14.  A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial - sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa” (realce nosso).
31 No Projeto do novo Código Comercial (PL 1572/2011): “Art. 121. Em caso de fraude perpetrada por meio da autonomia patrimonial da sociedade empresária, o juiz poderá ignorar a personalidade jurídica própria desta para imputar a responsabilidade ao sócio ou administrador. Parágrafo único. A confusão patrimonial ou o desvio de finalidade importam a presunção relativa de fraude. (...) § 4º. A simples insuficiência de bens no patrimônio da sociedade empresária para a satisfação de direito de credor não autoriza a desconsideração de sua personalidade jurídica. § 5º. A imputação de responsabilidade ao sócio ou administrador, em decorrência da desconsideração da personalidade jurídica da sociedade empresária, só poderá ser determinada pelo juiz depois de assegurado o direito à ampla defesa e ao contraditório. § 6º. Decretada a desconsideração da personalidade jurídica, deve ser incluído no processo o nome do sócio, administrador ou da pessoa, natural ou jurídica, a quem se imputar responsabilidade”.
32 “Agravo interno no agravo em recurso especial. Agravo de instrumento. 1. Desconsideração da Personalidade Jurídica.  Ausência de bens penhoráveis.  Dissolução irregular da empresa. fundamentos que, por si sós, são insuficientes à aplicação da medida. Ilegitimidade do sócio para figurar como parte passiva na execução. extinção do processo.  Art.  485, VI, DO CPC/2015.  Manutenção da deliberação monocrática.  Pretensão de aplicação da súmula 7/stj afastada. 2. Intenção de incidência da súmula 435 do STJ. Restrição ao âmbito da execução fiscal. 3. Agravo interno desprovido. 1.  A jurisprudência mais recente desta Casa assevera que “a mera demonstração de inexistência de patrimônio da pessoa jurídica ou de dissolução irregular da empresa sem a devida baixa na junta comercial, por si sós, não ensejam a desconsideração da personalidade jurídica” (AgRg no AREsp 347.476/DF, Rel. Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 05/05/2016, DJe 17/05/2016). Decisão monocrática proferida em consonância com o entendimento supra, não sendo o caso de aplicação da Súmula 7/STJ ao apelo nobre, pois a controvérsia dos autos demanda apenas a revaloração jurídica dos fatos delineados no aresto impugnado. 2.  A aplicação do disposto na Súmula 435 do STJ limita-se aos casos relativos à execução fiscal. 3. Agravo interno desprovido”. (STJ, AgInt no AREsp 1.006.296/SP, 3ª Turma, rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, j. 16.02.2017, DJe 24.02.2017.)
33 Caso recente e divulgado em inúmeras mídias foi a ação de execução de título executivo extrajudicial (debenture) com pedido liminar de arresto, no valor de R$ 181.328.126,76, que a Pentagono S/A Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários ajuizou em face de OAS S/A, requerendo a desconsideração da personalidade jurídica tendo em vista a má-fé na utilização das personalidades jurídicas com intuito de prejudicar os credores, o que foge dos propósitos para qual foi criada e é, assim, causa para sua desconsideração. Confira-se a decisão do TJSP: “Agravo de Instrumento Desconsideração da Personalidade Jurídica para Inclusão de Empresa do Mesmo Grupo Econômico Possibilidade, no caso em tela Nulidade por ausência de intimação prévia daquele que é inserido no polo passivo Inexistência Contraditório diferido Indícios de uso abusivo da personificação societária - O esvaziamento patrimonial da antiga empresa, aliado à constituição, pelo mesmo sócio, de nova pessoa jurídica com finalidade e nome idênticos, evidencia não só a existência de grupo econômico, mas o desvio de bens (confusão patrimonial) e o intuito fraudulento da conduta, que busca se valer de nova sociedade para imunizar os bens de seus titulares das dívidas constituídas no exercício da empresa individual Manutenção do entendimento adotado em Primeiro Grau Negado provimento” (realce nosso). (TJSP, 25ª Câmara de Direito Privado, rel. Des. Hugo Crepaldi, j. 22.08.2013.)
34 “Recurso especial. Direito civil e processual civil. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Legitimidade da pessoa jurídica para interposição de recurso. Artigos analisados: 50, CC/02; 6º E 499, CPC. 1. Cumprimento de sentença apresentado em 02/09/2009, do qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 22/11/2013. 2. Discute-se a legitimidade da pessoa jurídica para impugnar decisão judicial que desconsidera sua personalidade para alcançar o patrimônio de seus sócios ou administradores. 3. Segundo o art. 50 do CC/02, verificado “abuso da personalidade jurídica”, poderá o juiz decidir que os efeitos de certas e determinadas relações obrigacionais sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. 4. O interesse na desconsideração ou, como na espécie, na manutenção do véu protetor, podem partir da própria pessoa jurídica, desde que, à luz dos requisitos autorizadores da medida excepcional, esta seja capaz de demonstrar a pertinência de seu intuito, o qual deve sempre estar relacionado à afirmação de sua autonomia, vale dizer, à proteção de sua personalidade. 5. Assim, é possível, pelo menos em tese, que a pessoa jurídica se valha dos meios próprios de impugnação existentes para defender sua autonomia e regular administração, desde que o faça sem se imiscuir indevidamente na esfera de direitos dos sócios/administradores incluídos no polo passivo por força da desconsideração. 6. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido” (realce nosso). (STJ, REsp 1.421.464, 3ª Turma, Min. Nancy Andrighi, j. 24.04.2014, DJe 12.05.2014). 
Contrário: 
“Processual civil. Agravo regimental. Desconsideração da Personalidade Jurídica. Decisão que atinge a esfera jurídica dos sócios. Interesse e legitimidade recursais da pessoa jurídica. Ausência. 1. De plano, constata-se que a única questão decidida pelo Tribunal a quo diz respeito ao interesse recursal da pessoa jurídica para se insurgir contra decisão que incluiu os sócios no polo passivo da relação processual, em decorrência da desconsideração da personalidade jurídica. Portanto, não se pode conhecer da matéria atinente à alegada ausência de dissolução irregular, sob pena de ofensa às Súmulas 7 e 211/STJ. 2. As razões recursais sugerem equivocada compreensão da teoria da desconsideração da personalidade jurídica por parte da recorrente. Essa formulação teórica tem a função de resguardar os contornos do instituto da autonomia patrimonial, coibindo seu desvirtuamento em prejuízo de terceiros. 3. Em regra, a desconsideração da personalidade jurídica é motivada pelo uso fraudulento ou abusivo da autonomia patrimonial da pessoa jurídica. E essa manipulação indevida é realizada por pessoas físicas, a quem é imputado o ilícito. Por meio desse mecanismo de criação doutrinária, o juiz, no caso concreto, pode desconsiderar a autonomia patrimonial e estender os efeitos de determinadas obrigações aos responsáveis pelo uso abusivo da sociedade empresária. 4. A desconsideração da personalidade jurídica da sociedade opera no plano da eficácia, permitindo que se levante o manto protetivo da autonomia patrimonial para que os bens dos sócios e/ou administradores sejam alcançados. Nesse sentido, elucidativos precedentes das Turmas da Seção de Direito Privado do STJ: REsp1.169.175/DF, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira Turma, DJe 04/04/2011; REsp 1.141.447/SP, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 05/04/2011; RMS 25.251/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJe 03/05/2010). 5. A decisão jurisdicional que aplica a aludida teoria importa prejuízo às pessoas físicas afetadas pelos efeitos das obrigações contraídas pela pessoa jurídica. A rigor, ela resguarda interesses de credores e da própria sociedade empresária indevidamente manipulada. Por isso, o Enunciado 285 da IV Jornada de Direito Civil descreve que ‘A teoria da desconsideração, prevista no art. 50 do Código Civil, pode ser invocada pela pessoa jurídica em seu favor’. 6. A ideia de prejuízo e a necessidade de obter provimento mais benéfico são fundamentais para a caracterização do interesse recursal (Barbosa Moreira, Comentário ao Código de Processo Civil, vol. V, 14ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 2008, p. 299). Segundo o art. 499 do CPC, o recurso pode ser interposto pela parte vencida, pelo terceiro prejudicado e pelo Ministério Público. 7. Desse modo, não há como reconhecer interesse à pessoa jurídica para impugnar decisão que atinge a esfera jurídica de terceiros, o que, em tese, pode preservar o patrimônio da sociedade ou minorar sua diminuição; afinal, mais pessoas estariam respondendo pela dívida contra ela cobrada originalmente. 8. Em casos análogos, a jurisprudência do STJ tem afirmado que a pessoa jurídica não possui legitimidade nem interesse recursal para questionar decisão que, sob o fundamento de ter ocorrido dissolução irregular, determina a responsabilização dos sócios (EDcl no AREsp14.308/MG, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 27/10/2011; REsp 932.675/SP, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 27/08/2007, p. 215; REsp 793.772/RS, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 11/02/2009). 9. Agravo Regimental não provido” (realce nosso). (STJ, REsp 1.307.639, 2ª Turma, rel. Min. Herman Benjamin, j. 17.05.2012, DJe 23.05.2012.)

Referências

BEVILAQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Paulo Azevedo, 1931. Volume 1.
DEDIER JR., Fredie. Arbitragem: estudos sobre a Lei n. 13.129, de 26-5-2015. José Francisco Cahali, Tiago Rodovalho e Alexandre Freire (orgs.). São Paulo: Saraiva, 2016. 
COELHO, Fabio Ulhôa. Curso de direito comercial: direito de empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. Volume 2.
COMPARATO, Fábio Konder. O poder de controle na sociedade anônima. 5. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
MARTINS-COSTA, Judith. Parecer sobre a desconsideração da personalidade jurídica. Porto Alegre, 2011.
SILVA, José Anchieta da. O instituto da desconsideração da personalidade jurídica no anteprojeto do Novo Código de Processo Civil. São Paulo: Lex Editora, 2012. 
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. O que se espera do Novo CPC? Revista do Advogado, nª 126, v. 35. São Paulo, 2015.
Outras fontes:

Citação

BUSHATSKY, Daniel Bushatsky. Desconsideração da personalidade jurídica. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/229/edicao-1/desconsideracao-da-personalidade-juridica

Edições

Tomo Direito Comercial, Edição 1, Julho de 2018

A responsabilidade remanescente do sócio retirante

A responsabilidade remanescente do sócio retirante

Juliana Guesse
O presente artigo tratará sobre a responsabilidade do ex-sócio nas questões envolvendo a pessoa jurídica, abordaremos o prazo em que o sócio retirante se manterá como responsável pelas questões inerentes a empresa e quando começa a fluir este prazo.
segunda-feira, 16 de julho de 2018
Antes de serem analisados os aspectos mais relevantes da responsabilidade dos sócios no momento em que se desligam da relação societária, é necessário pelo menos apontar rapidamente quais são essas responsabilidades no momento do ingresso, visto ser uma das principais características da Sociedade Limitada, como forma societária.
As Sociedades Limitadas passaram a ter seu regime legal integralmente estabelecido dentro do CC de 2002, entre os arts. 1.052 e 1.087, mas com a possibilidade, de assumir formas ou regramentos de Sociedades Simples em casos de omissões, como dispõe o art. 1.053, ou até mesmo por expressa disposição legal (ex.: arts. 1.086 e 1.087).
É importante deixar claro que o momento preciso em que a limitação da responsabilidade do sócio da Sociedade Limitada nasce dá-se com o registro do ato constitutivo no órgão competente e após a total integralização das cotas, in verbis:
Art. 985. A sociedade adquire personalidade jurídica com a inscrição, no registro próprio e na forma da lei, dos seus atos constitutivos (arts. 45 e 1.150).
Art. 1.052. Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas, mas todos respondem solidariamente pela integralização do capital social.
O registro torna pública as relações internas das sociedades, fixa limites de responsabilidade dos sócios, e atribiui personalidade jurídica à sociedade, totalmente desvinculada daquela dos sócios. Observe-se que, antes desse registro, os sócios adquirem responsabilidade a partir da conclusão do pacto social – ainda que apenas verbal – de forma ilimitada para com terceiros credores da empresa.
Art. 986. Enquanto não inscritos os atos constitutivos, reger-se-á a sociedade, exceto por ações em organização, pelo disposto neste Capítulo, observadas, subsidiariamente e no que com ele forem compatíveis, as normas da sociedade simples.
Art. 990. Todos os sócios respondem solidária e ilimitadamente pelas obrigações sociais, excluído do benefício de ordem, previsto no art. 1.024, aquele que contratou pela sociedade.
De qualquer forma, devidamente registrado o contrato social e integralizado todo o capital, a responsabilidade dos sócios na Limitada não tem vínculo algum com as obrigações assumidas pela sociedade, mas somente, em tese, pela formação do capital do novo ente jurídico, além das responsabilidades objetivas dos sócios gerentes e administradores, nos termos dos arts. 1.011 e 1.016 do CC de 2002:
Art. 1011. O administrador da sociedade deverá ter, no exercício de suas funções, o cuidado e a diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração de seus próprios negócios.
Art. 1016. Os administradores respondem solidariamente perante a sociedade e os terceiros prejudicados, por culpa no desempenho de suas funções.
Portanto, verifica-se da leitura dos referidos dispositivos, bem como do art. 1.052, que a obrigação inicial dos sócios na Limitada é contribuir com capital próprio para a realização das respectivas cotas-partes na sociedade, bem como garantir de forma solidária a integralização das cotas dos demais sócios.
Nesse sentido, importante lição de Alfredo Assis Gonçalves Neto:
Na análise do art. 1.052 percebe-se que o sócio ali tem, em verdade, duas ordens de obrigação, quais sejam, (i) a de realizar o valor da respectiva quota e (ii) a de garantir a integralização das quotas dos demais sócios. Ou seja, o sócio é responsável pelo pagamento da contribuição que se obrigou a prestar para a formação do patrimônio da sociedade, retratada em valor pela sua quota de participação no capital social. No entanto, todos os sócios são garantidores do ingresso efetivo dos recursos que em conjunto prometeram para atingir o valor do capital social, em razão do que todos respondem solidariamente pela integralização desse capital. Se algum deles não pagar sua parte, os outros têm in solidum a obrigação de honrá-la.
Assim, tendo sido completamente integralizado o capital social por cada um dos sócios da Limitada, estes não podem mais ser demandados por qualquer outra obrigação, quer para com a sociedade, quer para com terceiros, visto não ser o sócio responsável pelas dívidas sociais. Entretanto, essa característica da Limitada vem sendo mitigada por decisões judiciais que consideram quase irrelevante essa completa separação de personalidades.
Há ainda responsabilidades e obrigações secundárias dos sócios, mas sempre relacionadas à integralização do capital social, ou seja: (i) pela exata estimação de bens conferidos ao capital social (art. 1.055, § 1º); (ii) pela distribuição indevida de lucros com prejuízo do capital (art. 1.059) e (iii) por deliberação ilegal (art. 1.080).
Na mesma linha, deve-se destacar também que, havendo cessão de cotas de Limitada já existente, o cessionário torna-se solidariamente responsável como cedente pelas obrigações assumidas por este ou ainda pendentes, dentre as relações internas da sociedade, nos termos do art. 1.057, parágrafo único, combinado com art. 1.003, todos do CC de 2002.
Feitas as necessárias considerações acerca da forma como o sócio adquire obrigações e responsabilidades, passar-se-á a estudar como se dá a extinção dessas obrigações.
1.1 Prazo pela responsabilização das questões inerentes a pessoa jurídica
Inicialmente, o mais importante é tomar conhecimento do prazo em que o sócio retirante irá responder por todas as questões inerentes a pessoa jurídica. Para isso, basta analisarmos o que dispõe o CC atual mais precisamente em seu artigo 1.003, juntamente com seu parágrafo único. Senão vejamos:
Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.
Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.
Ao longo do tempo podem ocorrer várias mudanças no quadro societário de uma empresa, entretanto, a responsabilidade do ex-sócio permanece em relação às dívidas e obrigações da empresa em casos específicos.
Conforme disposto no artigo 1.032 do CC, a retirada, exclusão ou morte do sócio não exime a si e nem aos seus herdeiros da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores pelo prazo de 02 (dois) anos após a sua retirada formal da sociedade.
Com relação à cessão de quotas, o entendimento do legislador não foi diferente, deixando bem claro através do parágrafo único do artigo 1.003 do mesmo diploma legal, que o sócio cedente responde solidariamente com o cessionário perante a sociedade e terceiros pelas obrigações que tinha como sócio, pelo igual período de 02 (dois) anos após averbada a modificação do contrato.
Contudo, a responsabilidade pelo período de 02 (dois) anos após a saída somente se aplica no âmbito cível, trabalhista e tributário com relação as obrigações contraídas pela sociedade durante o tempo em que este figurou como sócio. Logicamente, toda e qualquer obrigação assumida após sua saída não gera responsabilidade para o ex-sócio
Ainda que as normas em comento visem tutelar o direito de terceiros, não se pode desconsiderar que no caso concreto deve-se salvaguardar o direito dos sócios retirantes de não responder eternamente pela pessoa jurídica da qual fez parte, mormente quando não evidenciada qualquer ingerência sua capaz de causar os descumprimentos trabalhistas, cíveis e tributários.
Como bem apontado por Modesto Carvalhosa, Rubens Requião, Alfredo de Assis Gonçalves Neto e Priscila M. P. Corrêa da Fonseca, estando um sócio de Sociedade Limitada em dia com suas obrigações sociais e não tendo operado ilegalmente seu administrador; suas obrigações para com a sociedade e terceiros deveria cessar imediatamente, após o registro de sua desvinculação, quer por retirada, exclusão ou comunicação de afastamento.
Desta forma, tem-se que, qualquer que seja a forma de desvinculação de um sócio da Limitada da qual participa – com exceção de seu falecimento – o legislador fixou-lhe o prazo de dois anos após a formalização de seu desligamento para que continue respondendo pelos atos da sociedade no período em que compunha o quadro social, como determinam os seguintes artigos:
Art. 1.085. Ressalvado o disposto no art. 1.030, quando a maioria dos sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, poderá excluí-los da sociedade, mediante alteração do contrato social, desde que prevista neste a exclusão por justa causa.
Art. 1.086. Efetuado o registro da alteração contratual, aplicar-se-á o disposto nos arts. 1.031 e 1.032.
Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não se requerer a averbação.
Dos referidos dispositivos se extrai que, além do prazo de dois anos de manutenção de responsabilidade, comum a todas as formas de desvinculação, esse prazo somente passa a vigorar efetivamente e gerar efeitos dentro e fora da sociedade a partir do registro ou averbação, nos órgãos de registro estatais, da alteração contratual onde consta a deliberação de dissolução parcial.
Ou seja, a responsabilidade dele [do sócio que se desvincula da sociedade] pelas obrigações sociais mantém-se até que seja dada a necessária publicidade, pela via própria, do seu desligamento e assegura ao credor o direito de haver dele o quantum que o patrimônio social não cobrir durante os dois anos que se seguirem a essa solenidade.
[…]
A alteração contratual ou a ata de reunião que delibera excluir um sócio, enquanto não averbada, produz, desde logo, seus efeitos em relação aos participantes do ato e ao sócio excluído, a partir do momento que dele seja cientificado.
Este entendimento é de grande importância, pois mesmo que o sócio retirante não tenha de fato qualquer atuação dentro da empresa, mesmo que por muitos e muitos anos, o prazo efetivamente só terá início com a respectiva averbação de sua saída, portanto para evitar ser surpreendido por uma execução judicial ou mesmo participação em demanda de qualquer natureza, é imprescindível ao sócio retirante formalizar o ato de saída.
1.1 Do direito de retirada
Em se tratando de desvinculação de cotista através da modalidade preconizada no art. 1.029 do CC/02, o marco inicial para a contagem do prazo de dois anos de corresponsabilização pelas obrigações sociais ocorre de duas maneiras distintas, tendo o legislador previsto distinção para os casos de retirada de sociedades por prazo determinado e por prazo indeterminado.
Quando o sócio decide retirar-se de uma sociedade por prazo determinado, deve necessariamente, antes deste marco, buscar a via judicial para provar a justa causa impeditiva da manutenção do vínculo societário.
Portanto, deve ser considerado como sendo o momento do exercício do direito de retirada o momento da propositura da ação, mas seus efeitos – inclusive o termo inicial para contagem do prazo de dois anos de manutenção da responsabilização – somente ocorrem a partir do trânsito em julgado da sentença que julga procedente o pedido. Entretanto, conhecendo a morosidade de nosso Poder Judiciário, ainda mais em se tratando de ações desta complexidade, que demandam uma ampla e extensa dilação probatória, o trânsito em julgado da decisão que julga procedente o pedido de retirada pode demorar muitos anos.
Consequentemente, durante todo o período em que o sócio busca se desvincular, permanecerá corresponsável pelas obrigações sociais, mesmo estando ele, de fato, longe do dia a dia da empresa. Os prejuízos que pode sofrer o sócio com essa demora podem ser não somente desastrosos com relação a seu patrimônio pessoal, mas também, e principalmente, irreversíveis, já que a empresa pode ter seu patrimônio propositalmente dilapidado ou poderá ser extremamente mal gerenciada.
Como solução para esta situação, interessante posicionamento adotado por Alfredo de Assis Gonçalves Neto:
Essa sentença é de natureza constitutiva e, por tanto, para que seus efeitos se produzam desde logo, isto é, a partir do exercício do direito, é necessário que o retirante busque uma antecipação de tutela para se afastar de imediato da sociedade, atendidos os pressupostos processuais para tanto. A conveniência desta medida está em que a demora na solução do processo pode alterar profundamente a situação econômico-financeira da sociedade e, mais que isso, manter o retirante vinculado ao cumprimento das obrigações sociais, pois responsável subsidiário ele o é, até dois anos após a averbação da retirada junta a inscrição da sociedade no registro próprio (CC, art. 1.032).
Assim, pela atual sistemática legal e processual, o sócio que se desvincula de Sociedade Limitada por prazo determinado está necessariamente obrigado a suportar um moroso e dispendioso processo judicial. Necessitando obter tutela provisória, afim de salvaguardar seus direitos e patrimônio.
A realidade é outra quando se pede a retirada de Sociedade Limitada por prazo indeterminado.
Nestas situações, o sócio que se desvincula deve notificar a sociedade de suas intenções estipulado o prazo de sessenta dias para as devidas adequações contratuais e providências que necessitam ser tomadas para a manutenção efetiva da empresa.
As obrigações do sócio retirante para com os outros sócios e com a própria sociedade terminam após transcorrido o prazo de 60 dias, estipulados no caput do art. 1.029 do CC/02, enquanto somente há completa desvinculação para com terceiros após devidamente averbado o pedido de retirada e transcorrido o prazo de dois anos estabelecido no art. 1.032.
Neste sentido:
[…] nas sociedades com prazo indeterminado, o direito de retirada considera-se exercido tão logo seja comunicada a intenção do retirante aos demais sócios.
[…] tornando-se esse direito efetivo, porém, somente após o decurso de 60 dias da data dessa comunicação.
[…] Já os efeitos da retirada em relação a terceiros contam-se sempre a partir da averbação da comunicação da retirada no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, […]. Assim, o prazo de dois anos conta-se dessa averbação, independentemente daquele de 60 dias que é previsto para produção de efeitos exclusivamente interna corporis.
1.3 Da responsabilidade do sócio retirante frente a reforma da lei trabalhista e os débitos trubutários
Importante destacar que há uma ordem de execução a se cumprir até alcançar o sócio retirante, iniciando-se com o patrimônio da sociedade, aos sócios ativos e por fim o sócio retirante, caso as tentativas anteriores restem frustradas.
O Art 10-A da CLT veio para reforçar o entendimento do CC, com o objetivo de limitar a responsabilidade do sócio retirante por débitos trabalhistas originários no período em que era sócio, de forma subsidiária, delimitando-se a ações propostas até dois anos após a averbação da alteração contratual, desde que observada a ordem da execução.
Com isso, resta claro que o sócio retirante poderá responder pelas responsabilidades trabalhistas da antiga empresa, desde que a ação trabalhista tenha sido proposta dentro do período de dois anos após a sua saída.
Na seara tributária cumpre-nos registrar também que o Colendo Superior Tribunal de Justiça já decidiu que o simples inadimplemento da obrigação tributária não caracteriza infração legal, razão pela qual não há que se falar em responsabilidade tributária de ex-sócio somente por este fato.
Desta feita, o sócio que se retira licitamente da sociedade limitada, mediante transferência de suas cotas, continuando-se o empreendimento com as suas atividades habituais, não responde este por eventuais débitos fiscais contemporâneos ao seu período de permanência no organismo societário.
Todavia, se restar provado, por exemplo, que um sócio formalmente deixou a sociedade mas continua comparecendo na empresa e exercendo seu poder diretivo, ou intervém nas atividades da empresa através de pessoas a ele ligadas, de modo a aclarar que o ocorrido foi apenas uma mudança documental, estará configurada a fraude e, com ela, atraída a responsabilidade solidária em relação aos sócios atuais.
1.4 Da retirada sócio e as dívidas existentes
Muito se discute sobre a existência ou não da responsabilidade tributária, civil e trabalhista do alienante/ex-sócio das quotas sociais da sociedade limitada com dividas.
Muitos empresários endividados com fornecedores, com empregados e com o fisco acham que a saída para livrarem-se das dividas e manter seus bens pessoais livres de execuções e penhoras é alienar as quotas sócias da
sociedade, inserindo expressamente no contrato de alienação, que o adquirente assume a totalidade divida.
Ledo engano, vejamos:
O § único do artigo 1.003 do nosso CC descreve que: Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente solidariamente com o cessionário, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.
Temos ainda o art. 1032 do mesmo diploma legal: A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade.
O contrato firmado entre o alienante e o adquirente, no qual esse assume a responsabilidade de liquidar a totalidade da divida da sociedade, somente tem validade perante os contratantes, não tendo, portanto, eficácia contra os terceiros credores.
A responsabilidade solidária do alienante significa dizer que o credor poderá, após a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade devedora, requerer o prosseguimento da execução em desfavor do antigo e do atual sócio, cabendo ao antigo sócio, caso arque com o pagamento do débito, ingressar com ação de regresso contra o adquirente para ser ressarcido do valor pago tendo como prova o contrato de alienação firmado.
Os débitos que a sociedade tinha quando o ex-sócio alienou suas quotas sociais continuam a ser de responsabilidade dele, caso a sociedade e o adquirente não tenham bens suficientes.
Se o adquirente tem patrimônio suficiente para saldar os débitos, cabe ao alienante após ser intimado para pagamento, utiliza-se do chamado "beneficio de ordem" e informar demonstrando com documentos o juízo no qual tramita a execução que o atual sócio tem patrimônio.
Somente quando o adquirente não tiver mais bens que suporte os valores da ação de execução ou se esses nunca existiram, é que o alienante/ex-sócio poderá ter seus bens penhorados e lavados a hasta pública.
Insta destacar que em determinadas situações, tais medidas em face do sócio retirante serve para coibir fraudes ou quando se está diante da incapacidade econômica do sucessor.
Conclusão:
Considerando o exposto, concluímos que: 1) Para saber se o ex-sócio responde ou não por dívida da sociedade após a sua saída, faz-se necessária a análise do caso concreto; 2) Como forma de se prevenir de cobranças de débitos da sociedade, cabe ao ex-sócio proceder com rapidez ao registro da alteração contratual perante a Junta Comercial do seu Estado, uma vez que este é o marco para o encerramento de seu vínculo junto a empresa e para a contagem do prazo de 02 anos.
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BRASIL. Código Civil de 2002. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Acesso em: 14 abril.2018.
FONSECA, Priscila M. P. Corrêa da. Dissolução parcial, retirada e exclusão de sócio no novo Código Civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2005. p. 250.
GONÇALVES NETO, Alfredo de Assis. Direito de empresa: comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 244.
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*Juliana Guesse é advogada da FRS Consutoria e Assessoria Jurídico Empresarial, cursou pós-graduação em Direito Empresarial pela Escola Paulista de Direito.